“Todo mundo tem condições de se sustentar?” O diretor do Centro de Pesquisa Teatral, Antunes Filho, questionou seus novos alunos. Quase como se tivessem ensaiado, os jovens balançaram a cabeça afirmativamente. “Eu também disse que sim. Mas era tudo mentira!”, conta André Cortez. Hoje, quase vinte anos mais tarde, a única diferença daqueles tempos é que o arquiteto e cenógrafo mineiro mantém a mesma agenda intensa, ainda mais depois de receber o terceiro Prêmio Shell, dessa vez com o “chiqueirinho” de O Bonde Chamado Desejo. A apertada casa de Stanley Kowalski e da irmã de Blanche DuBois foi transmutada no palco em uma caixa sobre rodas com módulos que se transformavam em mesas, bancos e colocava a atriz Maria Luisa Mendonça nos trilhos do delírio. “No texto, Stanley é chamado de porco muitas vezes. São detalhes como esse que indicam as palavras que não vão para os ouvidos, mas em direção aos olhos.”
Essa é a definição de cenografia do artista que ganhou a primeira estatueta em O Pai (1999), ao lado de Daniela Thomas, e em 2005, com a montagem de A Serpente. Atualmente, ele tem três trabalhos em cartaz em São Paulo e em breve, mais um – O Topo Da Montanha retorna em julho no Teatro Faap; no Rio, Tarcísio Meira segue na temporada de O Camareiro, peça que também foi indicada pela cenografia. E no domingo, 26, o espetáculo Gota DÁgua a Seco encerrou temporada no Theatro Net Rio.
O espetáculo mais recente, Hotel Jasmim, no Centro Cultural São Paulo, se faz com a chegada de um nordestino para trabalhar como garçom na cidade. No texto de Claudia Barral, o cenógrafo exemplifica como seu olhar passa pela dramaturgia. “Um hotel como cenário já é uma limitação, um quarto, também. Meu trabalho é ajudar a ampliar os sentidos, dar margem para que o público perceba outras coisas além do que já está vendo e ouvindo.” A peça confina o imigrante e um garoto de programa a dividirem o mesmo dormitório. “Ambos trabalham para sobreviver, mas estão apartados do consumo.” Diante dessa leitura, Cortez desenvolveu uma estrutura de que simulasse um outdoor, como símbolo de consumo na metrópole, e a colocou de costas para os personagens e plateia. “Aqueles homens existem para sustentar esse sistema.”
Cortez também assina os cenários de Para Tão Longo Amor, de Maria Adelaide Amaral, e projeto Brasil: O Futuro que Nunca Chega, do diretor Samir Yazbek. “Procuro pensar em outros significados que estão rodeando as palavras”, diz. Na peça da dramaturga Maria Adelaide, um quarto serve para ambientar a destrutiva relação de um casal. Na sugestão de cenário, a dramaturga foi objetiva: não queria uma montagem realista, ele recorda. O que Cortez fez foi conceber o que ele chama de “fragmentos de realidade”. No palco do Teatro Morumbi Shopping, construiu armários com portas giratórias, com faces novas e antigas. Os atores Leopoldo Pacheco e Regiane Alves giram as portas que são atravessadas por focos de luz. “Funciona com um acesso ao passado do casal. Além de descrever como aquele relacionamento vai definhando.”
No caso da peça D. Pedro II, do projeto de Yazbek, uma estrutura de metal gira apresentando diferentes retângulos para a plateia. “Os atores se posicionam nesses espaços para retratarem os planos temporais, como o passado e presente, que se atravessam na narrativa.” Ou seja, quanto menos óbvio, mais interessante. “Um bom cenário é aquele que o público vai descobrindo aos poucos.”
Além dos materiais convencionais na cenografia, Cortez confessa que ainda deseja trabalhar com robótica. “É um sonho, mas custa muito caro.” Aliás, já é um desafio produzir boa cenografia com madeira, metal e outras coisas. Cortez ressalta que é preciso equilibrar a livre imaginação com os recursos disponíveis para produções, cada vez mais escassos. “As pessoas acham que teatro não precisa de muito dinheiro. Pelo contrário, nós precisamos de muito, mas também sabemos fazer sem nada.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.