A Justiça brasileira tem fama de ser lenta. E, quando se trata do Tribunal do Júri, responsável por crimes praticados intencionalmente contra a vida, a morosidade se revela ainda mais grave. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estima que cerca de 30% das ações sob responsabilidade do Tribunal do Júri prescrevem, ou seja, perdem a validade por causa da longa tramitação, o que, na prática, impede o Estado de punir os investigados e reforça a sensação de impunidade, destaca o jornal <b>O Estado de S. Paulo</b>.
Vão a júri popular crimes como homicídio, aborto e incitação ao suicídio. Um caso emblemático chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) em 2013: um homem denunciado por tentativa de homicídio em 1994. Condenado a oito anos de prisão, ele entrou com uma série de recursos e conseguiu anular a sentença. Dezenove anos depois, o Supremo chegou a uma conclusão: o crime prescreveu.
O presidente do STF, Dias Toffoli, quer que a Corte também analise agora a possibilidade de início da execução de pena após sentença do Tribunal do Júri. Embora em novembro do ano passado o STF tenha derrubado o entendimento que previa a prisão após condenação em segunda instância – sob o argumento de que o réu tem direito a permanecer em liberdade até o fim de todos os recursos -, há outra questão a ser examinada. Toffoli é a favor de que condenados pelo júri cumpram imediatamente a pena.
Neste mês, começa a ser analisado pelo Tribunal do Júri outro caso de repercussão que ainda não tem punição: o incêndio da Boate Kiss, que deixou 242 mortos em Santa Maria (RS) há sete anos.
"O Poder Judiciário deve estar comprometido com o combate aos crimes dolosos contra a vida – verdadeira e trágica epidemia em nosso País -, dando prioridade aos julgamentos dos Tribunais do Júri, evitando-se prescrições, adiamentos e dando prioridade máxima aos casos de feminicídios", disse Toffoli ao <b>Estado</b>. "O Judiciário está fazendo sua parte para não haver impunidade nestes que são os piores crimes, pois atentam contra a vida das pessoas."
<b>Medidas</b>
Toffoli entregou ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no último dia 19, uma proposta para dar mais agilidade aos julgamentos. O texto foi preparado por um grupo de trabalho do CNJ coordenado pelo ministro Rogerio Schietti, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Entre as principais medidas sugeridas estão a redução do número de jurados e do tempo de debates para casos de homicídios simples e até a previsão de multa e sanção disciplinar para promotores e advogados que abandonarem as sessões. Além disso, outro ponto destacado é que, hoje em dia, muitos julgamentos são adiados por causa de ausência de testemunha. A ideia é que um julgamento não seja impedido se uma testemunha já ouvida na primeira fase deixar de comparecer novamente à Justiça, a menos que uma das partes demonstre haver, de fato, algo novo a ser informado por aquela pessoa.
Na avaliação do presidente da comissão especial que analisa mudanças no Código de Processo Penal, deputado Fábio Trad (PSD-MS), é possível que a Câmara vote as novas medidas até outubro, antes das eleições municipais. "Vamos analisar a proposta com muita vontade, porque ela vai ao encontro dos valores constitucionais de desburocratização e simplificação dos procedimentos no Tribunal do Júri", afirmou Trad.
A proposta do CNJ para agilizar os julgamentos também prevê, em casos menos complexos, a diminuição do tempo para manifestações de advogados das partes e do Ministério Público. Em um dos pontos considerados mais polêmicos, o texto ainda sugere reduzir de sete para cinco o número de jurados que integram o Conselho de Sentença em casos mais simples.
A diminuição do tamanho do júri é criticada pela professora de Direito Penal da FGV São Paulo Raquel Scalcon. "Se a gente está reduzindo para cinco jurados, significa que, se três concordarem em condenar, já se condena o réu. É um número questionável. A redução de pessoas torna os julgamentos mais frágeis", argumentou Raquel. "Acho que a proposta quer enfrentar um problema que não vai resolver. Ela me parece um pouco perigosa, no sentido de se preocupar com a questão dos jurados", disse.
No Brasil, os jurados não podem se comunicar entre si durante o julgamento, o voto de cada um é sigiloso e o resultado da maioria simples implica na absolvição ou na condenação do réu. Já nos Estados Unidos, os integrantes do júri podem debater o caso. Para condenar alguém, no entanto, é preciso que o entendimento dos jurados seja unânime.
<b>Poucos juízes</b>
Coordenador do grupo de trabalho do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que elaborou proposta para agilizar os julgamentos do Tribunal do Júri, o ministro Rogerio Schietti disse ao <b>Estado</b> que crimes contra a vida devem ter prioridade. "Homicídio é o crime mais grave, que não tem reparo." Veja abaixo trechos da entrevista.
<b>O cenário atual escancara o quadro de impunidade no País?</b>
Da mesma forma que não pode existir Justiça sumária, como se fazia séculos atrás, você também não pode ter julgamentos excessivamente longos, porque isso implica na perda da qualidade dos julgamentos.
<b>Essa demora da Justiça passa a impressão de que o crime compensa?</b>
É frustrante, por isso que precisamos ter uma Justiça mais ágil. É preciso dizer o seguinte: isso não é só por culpa nossa, mas por uma excessiva litigiosidade. Nós somos um dos países em que mais se praticam crimes no mundo. Um número astronômico, de guerra, de homicídios. O Brasil é um país onde se comete muito crime e aí você não tem juízes suficientes para julgar e você não tem uma estrutura para executar essas penas.
<b>A resposta da Justiça deveria ser ainda mais rápida em crimes contra a vida?</b>
Deveria ser. Por isso é que fizemos questão de enfatizar a necessidade de os tribunais terem como prioritária a tramitação dos processos dos crimes dolosos (praticados com intenção) contra a vida, porque é o crime mais grave. Homicídio é crime que não tem reparo.
<b>Qual o efeito da sensação de impunidade?</b>
Uma tendência a se estimularem reações da própria sociedade. O que é o linchamento? É um sinal muito claro da falta de confiabilidade nas instituições, na Polícia, no Ministério Público, no Judiciário. O Brasil é um país que tem alto índice de criminalidade e baixo índice de efetividade da punição dos autores.
<b>O STF vai definir em abril se uma decisão do Tribunal do Júri já deve marcar o início da execução da pena. Qual a sua opinião?</b>
Sou contra. É um direito de qualquer pessoa ter a condenação revista por um tribunal, antes de iniciar a pena. Entendo que não é a natureza do crime que pode determinar já o início da pena antes de ser julgado o recurso em segundo grau. Sou a favor da execução da pena a partir do julgamento em segundo grau.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>