O que deveria ser um debate técnico sobre transações entre partes relacionadas, na semana passada, na sede da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no Rio, acabou se tornando uma acalorada discussão sobre o caso X. Responsável por três das denúncias criminais envolvendo as companhias fundadas por Eike Batista, inclusive contra o empresário, a procuradora federal Karen Kahn criticou a permanência de empresas do grupo no Novo Mercado, segmento de mais alto nível de governança corporativa da BM&FBovespa.
Em uma mesa composta também pela diretora do órgão regulador do mercado de capitais Luciana Dias, a procuradora da República criou um clima no auditório do 34º andar da rua Sete de Setembro ao afirmar que, apesar do empenho da CVM, algumas falhas nos controles preventivos a seu cargo e da BM&FBovespa têm gerado situações paradoxais aos olhos do Ministério Público.
O exemplo citado foi a listagem de companhias que, segundo Karen, “estiveram alheias aos requisitos mais caros à governança corporativa, foram veículos de prática de crime, não tiveram preocupação ética na divulgação de informações ao público investidor e que hoje se encontram em recuperação judicial por conta de fraudes cometidas” no segmento que deveria ser a vitrine do mercado de capitais brasileiro.
“Entendo que poderiam estar na Bolsa, mas não no Novo Mercado. Como uma empresa cujos controladores estão respondendo a ação criminal e que foi veículo de fraudes pode ser considerada uma referência empresarial? Não tem cabimento”, disse Karen ao Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado.
Pelo menos seis empresas que fizeram parte do antigo império X estão no Novo Mercado: Óleo e Gás Participações (OGPar, antiga OGX), OSX Brasil, CCX, Eneva (ex-MPX) e Prumo (ex-LLX). O caso mais emblemático é o da petroleira OGX, cuja crise de credibilidade teve um efeito dominó sobre as demais companhias irmãs.
Para a representante do MPF deveria haver uma espécie de quarentena até mesmo para as companhias originadas na EBX e que hoje já estão em mãos de novos controladores, caso da Prumo, dona do Porto do Açu, que hoje é controlada pelo grupo americano EIG e tem Eike como acionista minoritário. A Eneva, de energia, tem controle compartilhado entre o empresário e o grupo alemão E.ON.
“Há um risco de continuar induzindo investidores a erro e que os menos informados que desconheçam seu histórico possam investir sem a mínima segurança que se espera”, disse a procuradora.
Ao cobrar que os órgãos fiscalizadores como a CVM atuem para sanear esse tipo de situação, Karen Kahn disse que quando apresenta o rol do Novo Mercado ao investidor a BM&FBovespa assume o compromisso de fiscalizar e punir as empresas que desobedeçam suas regras. Segundo ela, o MPF estuda que tipo de medidas poderia tomar nesse caso.
A diretora da CVM Luciana Dias diz que o Novo Mercado não pode ser visto como garantia de sucesso financeiro de uma empresa. A advogada lembra que a saída de uma companhia do segmento requer a realização de uma oferta pública para recompra das ações de todos os acionistas. Além disso, avalia que a exclusão dessas empresas do Novo Mercado não seria necessariamente positiva, já que elas passariam a se comprometer com regras de governança menos consistentes.
“No geral, as regras estão sendo cumpridas por essas empresas. Algumas delas foram inclusive reestruturadas. O Novo Mercado não é um selo de desempenho financeiro, mas de compromisso com a transparência.Você vai impedir que os novos controladores ganhem esse selo se estão dispostos a cumprir com essas regras? Seria discricionário dizer “essa pode, essa não pode””, argumenta Luciana.
O Novo Mercado é um segmento com regras de listagem diferenciadas, em que as empresas se comprometem com regras mais estritas de governança corporativa e “disclosure” de informações. Entre outras coisas, o capital dessas companhias deve ser composto apenas por ações com direito a voto (ON), o conselho de administração deve ser composto por no mínimo cinco membros, sendo 20% conselheiros independentes, e as negociações de papéis da companhia por diretores, executivos e controladores deve ser divulgada mensalmente.
Em resposta ao Broadcast, o presidente da BM&FBovespa, Edemir Pinto, informou que o regulamento do Novo Mercado prevê duas formas de saída: voluntária – mediante aprovação em assembleia de acionistas e oferta pública – e como sanção por descumprimento de regras. Na segunda hipótese a companhia é notificada e recebe um prazo para eliminar o problema. Acionistas e controladores e administradores podem ser multados pela bolsa.
Caso a irregularidade não seja sanada a tempo, a empresa pode sofrer sanções pecuniárias: divulgação em separado da cotação das ações ou suspensão da negociação das ações no Novo Mercado. Um novo prazo será concedido para cumprimento da obrigação. Por fim, a BM&FBovespa poderá cancelar a autorização para a negociação das ações da companhia no Novo Mercado, devendo ser realizada uma oferta de aquisição de ações em circulação, no mínimo, pelo valor econômico.
A mineradora MMX, também do grupo, foi multada por não entregar as demonstrações financeiras do segundo trimestre em inglês e acabou tendo a negociação de suas ações no Novo Mercado suspensas desde o pregão de 24 de outubro.