Estadão

Procurador da República compara câmara de gás da PRF com caso George Floyd

A morte de Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, nesta quinta-feira, 26, em Sergipe, durante abordagem da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e a participação da corporação em ações em conjunto com outras polícias nas comunidades carentes do Rio, como a que terminou com 23 mortes, na terça-feira, 24, exigem uma rediscussão sobre o papel das forças de segurança, defende o coordenador do Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial no Ministério Público Federal (MPF) do Rio, o procurador da República Eduardo Benones. As imagens da operação na capital fluminense e de Genivaldo preso no porta-malas de uma viatura tomada por gás lacrimogêneo correram o País.

Benones vê semelhanças da morte de Genivaldo com o caso de George Floyd, há dois anos nos EUA, em que policiais causaram a morte de um homem negro por asfixia mecânica. O episódio desencadeou uma série de protestos contra a desigualdade racial em várias cidades americanas. "As duas imagens são estarrecedoras. É resultado do dane-se , que é quando você sabe o que pode ocorrer, mas não se importa", afirma.

Genivaldo morreu após ser preso no porta-malas de uma viatura da PRF tomada por gás lacrimogêneo em Umbaúba, interior de Sergipe. O laudo do óbito apontou asfixia. Segundo familiares, ele era esquizofrênico e tomava remédios controlados. "Dificilmente não será enquadrado como negligência ou homicídio doloso", diz o Procurador.

A PRF, que abriu processo disciplinar sobre o caso, ainda não informou qual foi o número de agentes afastados. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, disse nesta quinta-feira, 26, ter determinado a abertura de investigações pelas Polícia Federal (PF) e pela PRF sobre o assassinato. Em nota, a corporação rodoviária ainda disse estar "comprometida com a apuração inequívoca" do caso em Sergipe, "colaborando com as autoridades. A instituição reforçou ainda "seu compromisso com a transparência e isenção".

Em uma semana, a PRF se envolveu em duas ações que terminaram em mortes e questionamentos sobre sua atuação. Segundo o procurador, o caso da capital fluminense é um exemplo do que virou hábito da PRF, notificar o Ministério Público Federal poucas horas antes das operações em favelas.

Benones diz que o caso está sendo apurado, mas vê poucas possibilidades de que a presença da PRF ali se justifique. "Só se justificaria a presença se a operação do Bope (batalhão especial da polícia fluminense) fosse em uma rodovia. Nesse caso, a polícia rodoviária deveria ser notificada até para evitar problemas. Agora, ir parar dentro de uma comunidade?".

A ação na Vila Cruzeiro envolveu agentes do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar, da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, com apoio de blindados e de um helicóptero. De acordo com a PM, a operação tinha como objetivo prender chefes do Comando Vermelho de diferentes Estados. Eles estariam escondidos na favela na zona norte carioca, de onde comandariam o crime organizado pelo País. Ninguém foi preso. Foram apreendidos 13 fuzis, 4 pistolas, 12 granadas e 20 veículos supostamente de criminosos.

Agora, ele quer levar a apuração à frente e pautar a discussão sobre o comportamento da corporação. "Isso (ação policial na Vila Cruzeiro, com participação da PRF) já havia acontecido em fevereiro, com oito mortes, e depois disso parece que não foi discutido o bastante. Vamos levar isso à frente. A decisão do STF existe para proteger a comunidade no período de pandemia, que ainda não terminou, e prevê que as ações podem ocorrer em casos de exceção", diz ele, em referência à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de junho de 2020, que restringiu ações policiais em favelas cariocas por causa da crise sanitária.

"O que era para ser excepcional, porém, virou regra." Incomoda ao procurador o argumento que se difunde, sem comprovação, que as mortes seriam de bandidos. "Se o Ministério Público e a Justiça aceitarem essa ideia será o mesmo que aceitar a própria falência", finaliza.

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