A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) elaborou um recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF) contestando a decisão do ministro Dias Toffoli – responsável por anular todas as provas do acordo de leniência da Odebrecht. Para a entidade representativa do Ministério Público Federal, a determinação extrapolou os limites legais. A previsão era de que a peça fosse apresentada à Justiça até o fim da noite desta segunda-feira, 11. Nela, a associação ataca aspectos técnicos da decisão por temer que outros processos sejam afetados pelo despacho assinado por Toffoli.
Para a ANPR, o processo julgado de maneira isolada pelo ministro não poderia, por exemplo, avançar em questões disciplinares. Só as instâncias de correição do Judiciário e do Ministério Público poderiam averiguar se houve desvio na conduta dos integrantes da Operação Lava Jato.
Na semana passada, em despacho recheado de críticas à atuação de procuradores e da Vara da Justiça Federal comandada na época pelo então juiz Sérgio Moro, hoje senador, Toffoli anulou as principais provas sobre pagamentos de propina pela Odebrecht para políticos do PT e de outros partidos. E pediu que fossem instaurados processos contra os investigadores da Lava Jato.
A reclamação que motivou a decisão do ministro foi feita pelos advogados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A advogada Valeska Zanin Martins – mulher de Cristiano Zanin, hoje ministro do Supremo e ex-advogado de Lula no caso – sustentou que, antes de assinar o acordo de leniência com a Odebrecht, o Ministério Público Federal começou uma negociação informal com autoridades dos Estados Unidos em busca de pistas para fechar o cerco a executivos da construtora.
Segundo o presidente da ANPR, Ubiratan Cazetta, o processo em que Toffoli tomou a decisão não contou com manifestação da empreiteira, a principal envolvida no caso. "Nem mesmo as partes estão lá (na reclamação)", argumentou Cazetta. "Nem mesmo as empresas participaram. A Odebrecht não participou disso para discutir questões."
<b>Sentido</b>
A ideia principal da contestação da ANPR, Cazetta aponta, é que tudo que foi julgado por Toffoli que ultrapassa o objeto da reclamação impetrada por Lula tem de ser lido como algo que não é uma decisão judicial "no seu sentido clássico". Cazetta não pretende discutir os efeitos processuais em relação a Lula. "Isso já foi objeto de várias discussões", disse. "A discussão é: ali há comentários feitos por um julgador, que tem um ônus argumentativo, mas que não é a decisão. Queremos reafirmar que a responsabilidade por averiguar a conduta disciplinar de membros do Judiciário e do Ministério Público é do próprio Judiciário e do Ministério Público, não pode ser feita por terceiros."
Ele ainda relembra que, no caso do MPF, a matéria já é objeto de análise da corregedoria, e o material foi entregue ao Supremo. "Não há o que voltar a reapreciar", disse.
O despacho de Toffoli classifica a prisão de Lula como um dos "maiores erros judiciários da história do País" e uma "armação fruto de um projeto de poder de determinados agentes públicos". A decisão anulou todas as provas do acordo de leniência da Odebrecht e dos sistemas Drousys e My Web Day B, feito em dezembro de 2016. A empresa também se comprometeu a desembolsar R$ 6,8 bilhões para ressarcir os cofres públicos.
<b> Garantistas </b>
O recurso será analisado pela Segunda Turma do STF. O colegiado é composto por ministros de posições juridicamente mais "garantistas" – ou seja, mais preocupados com direitos fundamentais dos réus. Fazem parte da turma Gilmar Mendes, Edson Fachin, Kassio Nunes Marques, André Mendonça, além do próprio Toffoli.
Apesar de o Supremo ser a última instância de julgamento do Judiciário brasileiro, há várias etapas pelas quais um processo passa dentro da Corte. As decisões podem ser monocráticas (só de um ministro), da Turma (Primeira ou Segunda) ou do plenário (com todos os ministros). Na semana passada, a anulação do acordo de leniência da Odebrecht foi uma decisão monocrática de Toffoli. Por isso, os questionamentos sobre ela agora vão para a Segunda Turma. Dentro desse grupo, há pelo menos três magistrados – Gilmar, Toffoli e Fachin – que são críticos à Operação Lava Jato e que podem manter a decisão.
Gilmar Mendes é o mais enfático nas críticas à extinta força-tarefa. Ele já disse, por exemplo, que delação premiada seguida de soltura de preso "é coisa de pervertido" e que a operação "tem melhores publicitários do que juristas". Em março de 2021, partiu das mãos de Fachin a anulação das condenações criminais que Lula sofreu. A decisão colocou o petista de volta ao páreo eleitoral.
Apesar de ter se aproximado de Jair Bolsonaro (PL) durante a gestão do ex-presidente, Toffoli sempre foi crítico da Lava Jato. Em 2019, quando foi presidente do STF, em duas ocasiões o magistrado disse que a operação "não é uma instituição" e "destruiu empresas".
<b>Incógnitas</b>
O que Nunes Marques e Mendonça podem decidir ainda é uma incógnita. Indicados para o STF por Bolsonaro, os dois ministros tendem a ter posições mais conservadoras, mas podem acompanhar os pares da Segunda Turma quando o tema for Lava Jato. Sabatinado no Senado, Mendonça disse que "não se pode criminalizar a política", acenando a políticos críticos à condução da operação.
No mesmo julgamento em que Gilmar Mendes disse que delação seguida de liberdade "é coisa de pervertido", Mendonça fez uma defesa dos acordos feitos quando estava na Advocacia-Geral da União (AGU), mas acompanhou Gilmar no seu voto.
Logo que assumiu a cadeira na Corte, Nunes Marques se alinhou a Gilmar para soltar um promotor de Justiça preso pela Lava Jato do Rio sob suspeita de receber propina de uma empresa de transporte. O ministro teve o mesmo comportamento ao acompanhar os pares na retirada da delação de Antonio Palocci na ação penal envolvendo o Instituto Lula.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>