Variedades

Produções revivem James Baldwin e questionam a Constituição americana

Eu Não Sou Seu Negro baseia-se no texto inacabado de James Baldwin (1924-1987), Remember This House, confiado ao cineasta Raoul Peck. Baldwin foi um intelectual completo. Romancista, ensaísta, dramaturgo e ativista pelos direitos civis, por não suportar o racismo deixou seu país e instalou-se em Paris, em 1948. Colocou-se sob proteção de outro escritor negro e americano, o comunista Richard Wright, que já estava lá e frequentava gente como Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Boris Vian.
Em Paris, publicou alguns dos seus mais importantes textos. Mais tarde voltou, ao perceber que sua presença nos EUA era importante na luta pelos direitos civis.

Nesse manuscrito entregue ao editor e que depois ficou com Peck, Baldwin recorda-se dos amigos ativistas – Medgar Evers, Malcolm X e Martin Luther King. Os três assassinados antes de completarem 40 anos de idade.

O filme aproveita-se tanto do texto (narrado pelo ator Samuel L. Jackson) como de entrevistas gravadas por Baldwin ao longo da vida. Como costuma acontecer com os documentários norte-americanos, este também dá show pela abundância de material, típica dos países que prezam sua memória.

Do documentário emerge não apenas a figura vigorosa de Baldwin, mas toda uma era de lutas por afirmação de direitos, recuperada com imagens de cinejornais e filmes. Há um debate intenso em meio a essa batalha civil. Ela se daria melhor pela via pacífica, como queria o Doutor King? Ou pela violência, como defendiam Malcolm X e os Panteras Negras?

A figura de Baldwin é, entre todas, impressionante. Vemos a figura do polemista destemido, que jamais abaixava a cabeça em uma discussão, mesmo em circunstâncias adversas. Sua luta particular era contra a imagem do “negro bom”, confiável, o “negro de alma branca”, na expressão racista brasileira. Sua batalha era contra o romance A Cabana do Pai Tomás, de Harriet Beecher Stowe, levado às telas e que no Brasil virou até novela de televisão com Sérgio Cardoso.

Baldwin era intelectual agudo. Sabia desmontar armadilhas ideológicas, mesmo quando estas tomam a aparência de concessão humanista aos desfavorecidos. O filme encontra todo o significado nesse título: Eu Não Sou Seu Negro, sendo que esse possessivo expressa a afirmação da igualdade, que vai além da tolerância. É brilhante.

Já A 13.ª Emenda (disponível na Netflix), de Ava DuVernay, é outro documentário poderoso, que examina, como ponto de partida, um aspecto dúbio da Constituição americana. A emenda, que aboliu a escravidão, diz em seu texto: “Não haverá, nos Estados Unidos, ou em qualquer lugar sujeito à sua jurisdição, nem escravidão, nem trabalhos forçados, salvo como punição de um crime pelo qual o réu tenha sido devidamente condenado”.

Essa ressalva, defendem os ativistas, permitiu que a escravidão prosseguisse, ainda que por outros meios, através da condenação. Criou-se um aparato jurídico com tendência à criminalização dos negros. Hoje, os EUA têm a segunda população carcerária do mundo (“perdendo” apenas para a China) e total desproporção entre os porcentuais dos negros na população geral e entre os encarcerados.

O filme examina tanto essas disposições práticas do racismo – criar um exército de reserva de mão de obra barata – quanto ideológicas. Por exemplo, um clássico como O Nascimento de Uma Nação (1915), de D.W. Griffith funda as bases da construção ideológica do negro como ser violento, sensual e propenso ao crime. DuVernay dá voz a esse debate ideológico sustentado por décadas e mostra extraordinária capacidade de sintetizar material tão rico.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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