Poucos arquitetos exprimiram de forma tão singular e intensa o sentido da palavra convivência como Fabio Penteado (1929-2011). Seus trabalhos assumem traços distintos para reafirmar a ideia de que uma cidade serve, acima de tudo, para permitir e facilitar o encontro entre as pessoas. O conceito veio muito antes do que se consolidou como uma tendência mundial, a de planejar espaços urbanos onde o ser humano é a medida de todas as coisas. Versátil, ele se destacou não apenas pela trajetória arquitetônica, mas também jornalística, política e acadêmica. Foi editor da revista Visão (1956-1962) e pioneiro na apresentação de um programa sobre arquitetura na TV aberta Excelsior (1961-1962). Integrou o Conselho Superior da União Internacional de Arquitetos (UIA), presidiu o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) e dirigiu a Fundação Bienal, quando liderou a realização da 2ª Bienal de Arquitetura de São Paulo.
Em todas as suas atividades, Penteado colocou a dimensão humana no epicentro de sua criação. A mostra Irradiações, inaugurada no último dia 23 e em cartaz até 26 de maio na Casa da Arquitectura, em Portugal, faz um feliz recorte ao apresentar projetos que convergem na forma e no conteúdo. O arquiteto, ensaísta, doutorando pela USP e curador da mostra Francesco Perrotta-Bosch selecionou cinco edificações radiais que, para além do traço, têm em comum o esforço de revelar as pessoas como elemento principal da obra arquitetônica, valorizando assim a cidadania, a participação popular e a integração do espaço público à cidade.
O trunfo de Penteado é a produção de praças abertas que parecem querer se expandir até abarcar todo o urbano. É o que se vê no Fórum de Araras (1959), em que destaca o princípio da igualdade perante a Justiça, trocando a monumentalidade pela sociabilidade, como define a pesquisadora Mônica Junqueira de Camargo. O desenho previu uma grande cobertura unificadora – a estrutura radial é aplicada alguns anos depois e se repete em uma sequência de projetos, cujo exemplo mais celebrado é o Centro de Convivência Cultural de Campinas (1967-68), construído em sua cidade natal e cuja maquete se situa no centro da mostra.
A expografia de Juliana Prado Godoy reforça a ideia de que tudo ali se irradia. Integram ainda a seleção o monumento da Playa Girón (1962), em Cuba, o Monumento Comemorativo aos Trinta Anos de Goiânia (1965), o Mercado do Portão (1965), em Curitiba, e o Teatro de Ópera (1966), em Campinas. Segundo a urbanista Elisabete França, ex-colega do arquiteto, Penteado experimentava novas formas para além da tradição modernista dominante, mas buscava acima de tudo dar uma resposta diferente ao desafio de relacionar edifício e espaço público.
Perrotta-Bosch, curador de Irradiações, é também curador do Arquivo Fabio Penteado. Trata-se de uma coleção de mais de 10 mil itens, entre desenhos, fotos, maquetes e cartas relacionados ao arquiteto e agora reunidos com o intuito de preservar e difundir sua trajetória, acessível a mais pesquisadores. O site (fabiopenteado.com.br) já está no ar e um espaço físico será inaugurado, e ao mesmo tempo a coleção é digitalizada. A iniciativa partiu de sua filha, Adriana Moura Penteado, após ter sido procurada pela Casa da Arquitectura de Portugal, que buscava projetos do brasileiro para integrar seu acervo – entre eles, o do Centro de Convivência.
Localizada em Matosinhos, cidade natal de Álvaro Siza Vieira, Pritzker em 1992, a Casa da Arquitectura se destaca por receber, tratar, arquivar e ainda exibir, por meio de exposições temporárias, documentos, plantas, desenhos e maquetes de alguns dos principais arquitetos portugueses e também brasileiros, entre eles Paulo Mendes da Rocha e Eduardo Souto de Moura, Pritzkers em 2006 e 2011, respectivamente.
A instituição é presidida por José Manuel Dias da Fonseca, antes responsável pela Casa da Música do Porto, e dirigida pelo arquiteto Nuno Sampaio, que se tornou uma espécie de embaixador da arquitetura luso-brasileira ao coordenar a expansão do acervo e a concepção de mostras originais. Os ecos da Casa da Arquitectura já se fazem ouvir no Brasil. Assim como ocorreu com Fabio Penteado, o trabalho do centro deve impulsionar a criação de outros acervos de arquitetos brasileiros e nos inspirar a preservar e difundir uma produção que nos destaca mundialmente.