O anteprojeto de lei que acaba com o uso de dinheiro público para salvar instituições financeiras à beira do colapso deu mais um passo. Saiu do Banco Central praticamente um ano depois do previsto e chegou ao Ministério da Fazenda, onde deve passar pelas análises das várias secretarias até partir para a Casa Civil. Fontes consultadas pelo Broadcast (serviço de notícias em tempo real da Agência Estado) afirmaram ser difícil estipular um prazo para essa nova empreitada, mas estimaram que isso poderá ocorrer na virada do ano.
Depois da Casa Civil, o projeto deve ser apreciado pelo Congresso, tarefa que é tida como “complexa” por vários órgãos do governo. “Não é um projeto simples”, resumiu uma das fontes envolvidas na análise da minuta. Assim que chegar à Câmara, segundo este e outro integrante do governo, receberá prioridade máxima do BC, Fazenda e do Planalto.
Na Fazenda, a minuta do anteprojeto já teve parecer favorável de uma das áreas pelas quais passou e foi recebida com entusiasmo pelo ministro Joaquim Levy. A expectativa é de que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) seja a área mais crítica de avaliação para evitar que o documento seja levado ao Legislativo com algum tipo de brecha.
A intenção, no entanto, não é fazer do projeto um cavalo de batalha do governo, levando o assunto ao Congresso por meio de uma medida provisória ou outro instrumento que possa trancar a pauta ou trazer polêmica. Possivelmente será encaminhado a deputados e senadores como um Projeto de Lei Complementar.
Basicamente, ele transformará correntistas e investidores de grande porte como elemento fundamental para o equilíbrio do sistema financeiro, em casos de ameaça de quebra. Com isso, os serviços essenciais para o funcionamento do banco continuam a funcionar sem a necessidade de salvar bancos ou banqueiros.
A ideia é que haja um arcabouço legal para evitar o uso de dinheiro público nestes casos, como ocorreu nos anos 90, quando o Tesouro Nacional teve de arcar com uma soma bilionária para salvar bancos por meio do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro (Proer). Olhando por retrospectiva, a avaliação é a de que não havia outra alternativa no governo no passado para evitar um desastre financeiro no País, se não o de ajudar os bancos com recursos da população.
O que se quer é agora, no entanto, evitar a reedição de um novo episódio do Proer, abolido com a entrada em vigor da Lei de Responsabilidade Fiscal. Daí a necessidade de uma lei específica sobre o tema. “O custo de não ter uma lei sobre isso é elevado”, considerou uma das fontes. “Tratam-se de temas muito relevantes para ficarem nas mãos de autoridades infralegais”, continuou.
Pelo anteprojeto, um investidor que tenha títulos com cláusula de conversão torna-se compulsoriamente acionista da instituição que entrar em liquidação e seus recursos passam a ser usados para trazer o banco de volta à solvência, o que não é possível hoje. Essa cláusula estará expressa em contrato. Se o processo evoluir satisfatoriamente e o banco voltar à operação normal, o investidor pode negociar livremente as ações que recebeu.
Apesar do risco de perder dinheiro, não há muita mudança para esse tipo de correntista em relação à lei atual, já que hoje ele ocupa o último lugar da lista de credores em caso de quebra do banco. Com a nova lei, se a instituição quebrar, o banco continua a funcionar e a maioria dos correntistas poderá sacar seu dinheiro, exceto aqueles com créditos reservados para uma conversão futura em ações.
Tendência mundial
O anteprojeto é um alinhamento das leis brasileiras ao que se passa no resto do mundo. Signatário do G-20, o País se comprometeu a aperfeiçoar seu arcabouço legal até 1º de janeiro de 2019. “Sabemos onde precisamos chegar e as razões para isso, mas precisamos aprovar os mecanismos”, comentou outra fonte do governo.
Basicamente, o anteprojeto descreve a atuação que devem apresentar as próprias instituições financeiras para saírem de circulação sem causarem um efeito dominó negativo e abalar o Sistema Financeiro Nacional (SFN). Até por causa disso, o governo também conta com um lobby forte de bancos quando o projeto chegar ao Congresso. Algumas medidas que virarão lei já estão dentro das normas de Basileia III, um grupo de regulações bancárias internacional, que ganhou mais importância depois da crise financeira global de 2008.
Antes de ser finalizado pelo BC, entidades de classe, como Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e Fundo Garantidor de Crédito (FGC), além de profissionais da área acadêmica e jurídica, também foram consultadas. A demora além do esperado no BC se deu porque foi preciso, de acordo com uma fonte, atender às necessidades do País e ao mesmo tempo acatar as recomendações do G-20.
O regime de resolução, que é quando uma instituição financeira se encontra à beira da falência, deve atender a três pilares básicos: resolubilidade das instituições, planejamento prévio de resolução e os recursos necessários para a fase de resolução. A lei preparada pelo Executivo não entrará no mérito de qual a soma ou porcentagem cada instituição terá que separar em um fundo para casos como de insolvência. Apesar de poder encarecer um pouco a atividade financeira, a avaliação consensual no governo até agora é a de que esses custos possam ser revertidos em privilégios na hora, por exemplo, de captações externas.
Quando aprovada, a lei valerá para todos os bancos brasileiros e será uma referência também para seguradoras e entidades de infraestrutura financeira crítica, como bolsa de valores, contrapartes centrais e instituições de pagamento, por exemplo. “Não importa se a instituição é pública ou privada, todas terão de apresentar seu plano de resolução”, explicou uma das fontes. “É conveniente para todos os bancos ter esse fundo de reservas para que na hora H não se precise fazer um bailout”, continuou, referindo-se à ajuda do governo em caso de falência.
Apesar de ainda não ter aprovado sua lei interna, o Brasil já participará no ano que vem de uma avaliação sobre a implantação de um regime deste tipo em outro país membro do G-20, que já está mais adiantado. O procedimento é usual e, quando implantar aqui a nova legislação, algum par virá observar como as mudanças estão ocorrendo. “As coisas já estão acontecendo, mas precisamos trabalhar celeremente”, observou uma das fontes. Já adotaram o regime Inglaterra e Estados Unidos, além da União Europeia, entre outros países.
Com o pânico provocado pela crise de 2008, o Conselho de Estabilidade Financeira do G-20 (FSB, na sigla em inglês) propôs o fim das instituições chamadas “too big to fail”, ou “muito grandes para quebrar”. Na reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) de outubro, foram listadas as cinco instituições que hoje fazem parte dessa lista – com exposição superior a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) – são Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Bradesco, Itaú e Santander.