É possível afirmar que o atual movimento de valorização da arte dos povos originários do Brasil e dos descendentes de escravizados deve muito ao escultor e criador do Museu Afro Brasil, Emanoel Araújo, morto na madrugada do feriado de 7 de setembro. Vítima de um ataque cardíaco fulminante, aos 81 anos, justamente no dia em que se comemorou o bicentenário da Independência, o artista e curador, que lutou para colocar a arte afro-brasileira dentro dos museus, num gesto de afirmação contra o eurocentrismo, morreu. É um desaparecimento simbólico.
Exemplo de sua contribuição para o reconhecimento da arte de afrodescendentes foi a histórica exposição A Mão Afro-Brasileira, de 1988, que pode ser lembrada por meio dos dois volumes editados sob sua supervisão. Na primeira edição, lançada justamente no centenário da Abolição, Emanoel mostrava-se combativo, reivindicando espaço para a arte dos descendentes de escravizados.
Na segunda, de 2010, alguns textos foram suprimidos, como um artigo do pioneiro Nina Rodrigues, de 1904, que falava da arte dos colonos negros. Nota-se aí uma atenuação do discurso radical de Emanoel Araújo. Seu museu Afro Brasil existia há seis anos e o seu diretor lutava por verbas governamentais para sua manutenção.
Seu discurso, invariavelmente, culpava os supremacistas brancos – e a imprensa – pelo tratamento diferenciado que seu Museu Afro Brasil recebia, a despeito do prestígio da instituição e do apoio de jornalistas e alguns políticos. Emanoel era um homem sem meias-palavras. Afrodescendente, homossexual acusado de assédio, praticante de uma religião africana vista com maus olhos pelo poder e conservadores, ele guardava certo ressentimento. Injustificável, afinal, pois galerias de prestígio como a Dan, só para citar uma delas, organizaram exposições suas.
<b>Apoio</b>
O fato é que o meio acadêmico, críticos e curadores sempre apoiaram suas iniciativas, especialmente as exposições do Museu Afro Brasil, mas também sua luta para salvar a Pinacoteca do Estado, um prédio em escombros quando ele assumiu sua direção e chamou o arquiteto Paulo Mendes da Rocha para a restauração, levantando o museu.
Na Pinacoteca, ele passou dez anos (1992-2002) mudando a política de aquisição de obras e privilegiando artistas contemporâneos. Lá, organizou exposições históricas, como Vozes da Diáspora e outra do pioneiro fotógrafo Marc Ferrez. Como escultor e artista gráfico, suas obras adotaram a linguagem abstrata e geométrica, incorporando elementos da arte religiosa de matriz africana. A mais conhecida, Aranha (1981), pode ser vista no Jardim das Esculturas do Parque do Ibirapuera.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>