O Poder Judiciário é encarregado de fazer incidir a vontade concreta da lei às situações conflituosas. A formatação clássica das funções estatais confere à lei o primado, porque deveria ser a relação necessária extraída da natureza das coisas. Administrar, no Estado de Direito, seria apenas cumprir a vontade da lei.
Só que os tempos correntes causaram fissura nessa tripartição. O processo legislativo é complexo e a realidade necessita de respostas mais ágeis. Diante disso, o Executivo passa a normatizar, diretamente ou mediante atuação profícua de suas inúmeras exteriorizações: agências públicas, Bancos estatais e outros organismos.
Para o Judiciário, não é fácil hoje saber qual a lei vigente. Há uma prolífica produção normativa, incompatível com a certeza que deveria gerar a ambicionada “segurança jurídica”.
O quadro é ainda mais preocupante, quando todas as questões passam a ser judicializadas. Tudo é objeto de questionamento perante as quatro instâncias do Judiciário brasileiro. O resultado é o número impressionante de 93 milhões de processos em curso, 20 milhões dele na Justiça Comum de São Paulo.
Para vencer o acúmulo de demandas, juízes e funcionários se esforçam e elaboram quantidade incrível de respostas às pretensões formuladas perante o foro. Muitas dessas respostas são processuais, pois a ciência processual mereceu consistente incremento e, de ferramenta utilizada para “fazer justiça”, não é raro que o processo se converta em finalidade. O jejuno não compreende porque o seu processo se encerrou, mas o problema que o suscitou continua incólume. Quando não, até mais agravado.
O fenômeno da judicialização de todas as questões impõe à sociedade uma reflexão inadiável. Será esta a melhor alternativa para o enfrentamento das aflições geradas pelo convívio?
Verdade que o processo é considerado a opção mais civilizada de resolução de controvérsias. Mas não é a mais rápida, nem a menos dispendiosa. Estudiosos do tema chegam a afirmar que é a mais precária, porque se a resposta for meramente processual, os desdobramentos vão aflorar e germinarão novos processos.
Diante disso, avulta a importância da adoção de alternativas ao processo judicial, rumo à pacificação que prescinda do formalismo do juízo. Dentre as já praticadas, a conciliação e a mediação parecem atender à vocação brasileira por compor-se amigavelmente. Se elas vierem a ser incrementadas, contando para isso com a imprescindível contribuição dos advogados, defensores, promotores e outros parceiros, não será o Judiciário o principal beneficiário dessa mudança de rumo. Pois o alívio na carga de trabalho da Justiça é um fator relevante. Mas muito mais importante para o Brasil será a formação de uma cidadania atuante, capaz de dialogar e de entender como se chega a um ajuste de vontades, transigindo, se for o caso, mas exercendo sua autonomia. Autonomia que não existe no processo judicial, onde o “sujeito processual” na verdade será objeto da vontade do Estado-juiz, intérprete da lei e totalmente heterônomo à parte.
O Brasil ingressa numa nova e alvissareira fase, que é a valorização das alternativas de resolução de conflitos, caminho mais eficiente até à pacificação, último e real objetivo da Justiça.
José Renato Nalini é presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo