A novela da concessão do estádio do Maracanã a um operador privado, que se arrasta desde 2013, após a conclusão das obras de modernização para a Copa do Mundo de 2014, poderá chegar ao fim em breve. O edital de concessão está em fase final de modelagem pelo governo do Estado do Rio, dono do palco de duas finais de Copa do Mundo, e poderá ir à consulta pública em outubro. A previsão é publicar o edital em novembro. O leilão para selecionar o novo operador, que poderá ter clubes de futebol como sócios, poderá ser no início de 2022, segundo o secretário de Estado da Casa Civil, Nicola Miccione.
Em 2013, o Consórcio Maracanã, liderado pela Odebrecht, venceu a licitação que previa a exploração de todo o complexo esportivo pelo prazo de 35 anos. Mudanças no escopo do contrato, porém, levaram o acordo a resultar em sucessivos déficits milionários. A empresa tentou por anos rever o acordo, até que em março de 2019 o então governador do Estado, Wilson Witzel (que acabaria afastado em processo de impeachment), anulou a concessão.
A modelagem do novo projeto pretende sanar os desequilíbrios econômicos que minaram a tentativa anterior. Conforme Miccione disse ao <b>Estadão</b>, a ideia é fazer uma concessão de 20 anos, com foco primordial no uso esportivo do estádio. Ficarão fora, portanto, obras caras para construção de estacionamento, shopping center e áreas de lazer, como chegou a ser prevista em 2013 para transformar o Maracanã num complexo de entretenimento e não apenas palco de futebol.
Agora, o novo edital deverá prever obrigatoriamente a realização de 60 a 70 jogos por ano no Maracanã e fixará valores, ainda não definidos, para alugar o estádio para clubes mandantes – como ocorre no atual acordo temporário de gestão partilhada entre Flamengo e Fluminense, que vai até novembro desde ano e será renovado, nos mesmos moldes.
O número de jogos evitará, naturalmente, que apenas um grande clube, mesmo que entre de sócio no consórcio operador, fique com o monopólio do uso do estádio, disse Miccione. O edital também permitirá o aluguel para clubes mandantes de fora do Rio ou para entidades, como no caso de finais da Copa Libertadores, organizada pela Conmebol, a confederação sul-americana.
O foco no uso esportivo incluirá na concessão apenas o Maracanã e o Maracanãzinho. O campo de futebol poderá receber no máximo "dois ou três" eventos não esportivos, como shows, por ano, afirmou Miccione. Já a arena poliesportiva não deverá ter, no edital de concessão, número mínimo de partidas, sem limites para o aluguel para eventos não esportivos.
"Gestão de estádios não é algo simples, no País nem no mundo. O que se pretende é permitir uma licitação que valorize os clubes (de futebol) e que permita que o Maracanã permaneça como a praça de esportes dos clubes cariocas, sem perder de foco a necessidade de uma gestão profissional, que preserve e modernize o patrimônio", afirmou o secretário.
A opção por um modelo focado no uso esportivo evita enfrentar o principal problema da concessão anterior. No projeto de complexo de entretenimento, estavam previstas as demolições de uma escola municipal, do edifício abandonado do antigo Museu do Índio, do Parque Aquático Júlio Delamare e do Estádio de Atletismo Célio de Barros, todos localizados no entorno do estádio há décadas. Os equipamentos dariam lugar ao estacionamento, shopping e lojas, mas houve pressão social contra os planos. Defensores dos esportes olímpicos destacaram a importância dos estádios, enquanto o edifício do antigo museu era ocupado desde o início dos anos 2000 por um grupo de índios.
O antigo concessionário não chegou a fazer vultosos investimentos, mas, sem as receitas previstas com lojas, estacionamento e eventos, não conseguiu fechar as contas para bancar a manutenção do estádio. Os problemas financeiros da Odebrecht em decorrência da Operação Lava Jato não ajudaram e o consórcio acabou devolvendo a operação do Maracanã ao Estado.
O novo modelo não exigirá grandes investimentos, segundo Miccione. Apenas alguns aportes em manutenção e modernização estarão no edital. O foco no uso esportivo não significa que as receitas ficarão apenas no aluguel do estádio para jogos. Para o secretário, usando apenas as áreas internas do Maracanã e do Maracanãzinho, é possível instalar pontos comerciais, incluindo restaurantes, que gerem receita extra. O uso de camarotes e outros espaços para eventos será permitido. Não está prevista construção de estacionamento.
A remuneração do Estado se dará por meio de uma taxa fixa anual e uma taxa variável, cobrada como porcentual das receitas, disse Miccione. Segundo o secretário, o critério de seleção do concessionário deverá ser pela maior taxa oferecida.
Paralelamente, o governo estadual estuda fazer investimentos públicos diretos para recuperar o Célio de Barros. "Há uma ideia de transformá-lo, de novo, numa praça de atletismo. Ainda estamos na fase de estudos, conversando com o governo federal", afirmou Miccione, destacando que o uso do estádio focado no atletismo dificilmente ficaria rentável num modelo de concessão a operador privado.
CLUBES – Os clubes do Rio de Janeiro, claro, estão de olho na nova concessão. Ausente no acordo que entregou a administração a Flamengo e Fluminense, o Vasco agora espera voltar a poder utilizar o principal palco do futebol carioca.
"Estivemos, eu e o presidente Jorge Salgado, com o governador do Estado, Cláudio Castro, e com o secretário Nicola, para informar oficialmente que o Vasco tem interesse no processo licitatório. O Vasco entende que o Maracanã é estratégico. Nós fizemos parte da lenda do Maracanã, construímos junto com os demais clubes do Rio a história dele", disse ao <b>Estadão</b> o vice-presidente geral do clube, Carlos Roberto Osório.
Segundo ele, o clube já "conversou informalmente" com Flamengo, Fluminense e Botafogo sobre o assunto. "Na visão do Vasco, o entendimento entre os quatro grandes do Rio (para gerir o estádio) seria interessante." Procurado pela reportagem, o Flamengo informou que não irá se manifestar antes da publicação do edital. Fluminense e Botafogo não retornaram o contato.