O deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), pré-candidato a prefeito de São Paulo, defendeu esta semana uma proposta de plebiscito sobre a privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). O projeto, no entanto, está parado, desde o mês passado, na Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa (CCJ) da Câmara Municipal de São Paulo. O colegiado é controlado pela base aliada do prefeito Ricardo Nunes (MDB). Não há previsão de entrada em pauta.
O <b>Estadão</b> apurou que a proposta concorre diretamente com o projeto de lei que autoriza o município a manter o contrato com a Sabesp desestatizada e que, na prática, viabiliza a privatização da companhia sem o risco de comprometer cerca de 45% do faturamento atual da empresa oriundo da prestação de serviço na capital paulista. O relatório que recomenda a adesão sob determinadas condições foi aprovado na Comissão de Estudos da Sabesp, no dia 21 de março, e deve passar agora pela análise da CCJ e da Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente antes de ir a plenário.
O plebiscito é um instrumento oficial de consulta popular sobre determinadas políticas públicas, seja no plano federal ou local. Quando o ato legislativo já está concluído, o instrumento mais adequado é o referendo. Essa diferença pode ser relevante, uma vez que a desestatização propriamente dita da Sabesp já foi aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado (Alesp). Além disso, a companhia presta serviços em todo o Estado, e não apenas na cidade de São Paulo.
Para o advogado Alberto Rollo, especialista em direito eleitoral, a proposta não teria força vinculante nesse cenário, ainda que possa ter um "efeito moral" sobre o debate em curso na Câmara Municipal. A situação seria diferente se a pergunta fosse relacionada especificamente ao contrato atual da Sabesp com o município, o que está em jogo de fato entre os vereadores. "A decisão que for tomada é a que precisa ser seguida", esclarece o professor de Direito Eleitoral da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Fernando Neisser. Desse modo, a aprovação do plebiscito poderia impactar diretamente nos planos.
Pela Lei Orgânica da cidade de São Paulo, o projeto deve ser submetido à Câmara Municipal pela prefeitura, por 1/3 dos vereadores (19 de 55) ou por pelo menos 2% do eleitorado. Depois de protocolado, passa pela CCJ e por outras comissões permanentes da Casa antes de ir a plenário, onde precisa de maioria absoluta de 28 votos. A matéria dispensa sanção do prefeito. A consulta, então, é realizada pelo Tribunal Regional Eleitoral durante as eleições municipais, desde que a proposta seja aprovada com no mínimo 90 dias de antecedência do primeiro turno. Uma pergunta de "sim" ou "não" é acrescida à escolha de vereador e prefeito nas urnas.
<b>Proposta estacionada</b>
O projeto de decreto legislativo (PDL) para plebiscito sobre a desestatização da Sabesp foi apresentado pelo vereador Celso Giannazi (PSOL), no dia 12 de março, com a assinatura de 19 parlamentares. Submetido à CCJ, aguarda designação de relator pelo presidente da comissão, o vereador Xexéu Tripoli (PSDB), que faz parte da base aliada do prefeito. Ele foi procurado, mas não retornou o contato até a publicação deste texto.
Giannazi confia que uma "pressão popular" vai pesar para que o projeto tenha andamento na Casa. "É um processo democrático. Precisamos ouvir a população porque ela é quem, no final das contas, vai arcar com as consequências", afirma. Sobre a possibilidade de a privatização ser concluída antes das eleições municipais, como planeja o governo, o que tornaria o plebiscito defasado, o vereador cita um receio nos bastidores entre a base de Nunes, o que pode atrasar o processo.
O relator da proposta que permite a contratação da Sabesp reformulada, Rubinho Nunes (União Brasil), por outro lado, diz que a base governista, que tem maioria folgada na Câmara, também vai barrar a proposta de plebiscito. "É só uma medida de procrastinar o projeto. Esse assunto já foi objeto de discussão e referendo público nas eleições de 2022, quando a população votou para eleger o Tarcísio e todos sabiam que essa era uma pauta dele."
A proposta teve apoio da totalidade das bancadas de oposição, formada por 16 parlamentares de PSOL, PT e PSB, e conseguiu ser protocolada apenas com a adesão de três membros da base aliada de Nunes – Bombeiro Major Palumbo (Progressistas), Eli Corrêa (União Brasil) e Adilson Amadeu (União Brasil).
"Qual o problema de escutar outras opiniões? Acho que a gente tem que caminhar com isso para ter a melhor decisão. Eu quero o melhor serviço para a população, então preciso ouvir todo mundo", justificou Palumbo. Corrêa respondeu, por meio de nota, que é a favor de escutar a população sobre todos os temas de relevância para a cidade e que, pessoalmente, é a favor da desestatização da Sabesp por conta do modelo de governança proposto. Amadeu não se manifestou.
<b> Plebiscito popular </b>
Diante das dificuldades de aprovação, há quem defenda um "plebiscito popular" dentro da bancada de oposição ao prefeito. A ideia seria realizar uma consulta informal nos bairros paulistanos, em formato que se assemelha a uma enquete. Ao contrário do plebiscito, a população como um todo não é consultada. O resultado também não tem validade estatística, porque está sujeito a viés de amostra – geralmente, esse tipo de consulta é promovida por movimentos sociais e sindicatos sem uma metodologia de pesquisa adequada.
Além do plebiscito, Boulos e as bancadas do PT e do PSOL defendem obstrução de pauta, realização de audiências públicas em todas as 32 subprefeituras da cidade e tramitação na Comissão de Finanças e Orçamento, controlada hoje pelo vereador oposicionista Jair Tatto (PT). A ampliação das audiências e a passagem pela comissão precisam ser negociadas com o presidente da Câmara, Milton Leite (União Leite), por meio de acordo. Fala-se em prolongar o debate até a próxima legislatura, em 2025.
"Infelizmente, no voto, o jogo é bruto. Eles podem e vão ter o voto tranquilamente. Vamos fazer o papel de obstrução, de ganhar tempo", declarou esta semana o líder do PT na Câmara, Senival Moura. Boulos, por sua vez, alegou que Nunes quer criar a "Enel da água" e que o prefeito teria "subordinado os interesses da cidade" a um acordo com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) em troca de apoio à sua reeleição.
Procurado pela reportagem, o líder do governo, Fábio Riva (MDB), não respondeu se existe orientação contrária ao plebiscito. Em entrevistas anteriores, o prefeito Ricardo Nunes já afirmou que não concorda com a realização de um plebiscito sobre o tema e que acha mais adequado o debate em audiências públicas. "Não é um tema para se falar sim ou não. É algo muito complexo", declarou ao site UOL em outubro, quando o projeto ainda estava tramitando na Alesp.
<b>Resistência na base governista</b>
O projeto de lei municipal que viabiliza a venda da Sabesp ainda não tem votos suficientes para ser aprovado hoje. A declaração foi feita pelo presidente da Câmara, Milton Leite, em conversas com jornalistas nesta quinta-feira, 3. Segundo ele, o clima entre os vereadores da base aliada de Nunes é de "desconforto" com o projeto.
Leite cita pontos ainda "não superados" na proposta do Executivo, como o percentual da receita da Sabesp que a prefeitura recebe para investir em projetos ambientais. O presidente da Câmara alegou ainda que cobrará do governador Tarcísio compromissos relacionados ao passivo ambiental da empresa e à construção de moradias.