O protagonismo do Congresso Nacional na calibragem das medidas de aperto fiscal é um “elemento novo” na comparação com experiências anteriores de ajuste na economia brasileira, avalia a equipe do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que divulgou na semana passada sua Carta de Conjuntura. A despeito disso, o órgão acredita que o governo detém os instrumentos necessários para entregar o que foi prometido. Para este ano, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, promete uma economia equivalente a 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB).
“Tudo indica que as medidas propostas pelo Executivo serão significativamente modificadas pelos parlamentares, de modo que a composição precisa do ajuste ainda está em discussão, com novas medidas sendo propostas praticamente todas as semanas. Ainda assim, o governo parece ter os instrumentos necessários para realizar o ajuste prometido, inclusive mediante o contingenciamento de despesas e a restrição ao endividamento de Estados e municípios”, diz o Ipea.
No curto prazo, o aperto fiscal deve potencializar a desaceleração da economia, sacrificando despesas principalmente de custeio e investimento. Mas haverá benefícios no médio e no longo prazo, afirma o órgão. “No cenário mais provável, a reafirmação do compromisso com a transparência e a sustentabilidade das contas públicas e o espaço fiscal proporcionado pelo ajuste deverão contribuir para a recuperação do potencial de crescimento da economia mais à frente.”
Apesar disso, outros aspectos podem tornar a recuperação da economia brasileira um pouco mais lenta do que o observado em 1999 e 2003, também anos de ajuste. O déficit em transações correntes, hoje em mais de 4% do PIB, não deve ter melhora significativa no curto prazo, avalia o Ipea. Mesmo com a desvalorização do real e com a desaceleração da atividade doméstica, o crescimento do comércio mundial ainda caminha a passos lentos.
Segundo o instituto, as previsões para o crescimento do comércio neste e no próximo ano são modestas, com tendências pouco favoráveis para mercados emergentes importantes para o Brasil, como China e América Latina, e incertezas sobre a retomada dos países desenvolvidos. A queda nos preços de commodities como o petróleo e o minério de ferro também é um entrave, de acordo com o instituto. “Diante disso, o mais provável é que a queda do déficit em transações correntes ocorra de forma lenta e gradual”, afirmou o Ipea.
“O quadro macroeconômico neste início de ano apresenta-se difícil, com praticamente todos os indicadores econômicos tendo desempenho negativo. Mas o ajuste em curso guarda muitas semelhanças com as experiências de ajustes em 1999 e 2003, nos quais a economia voltou a crescer em prazos relativamente curtos. Mesmo que as características do cenário atual talvez tornem a recuperação da atividade econômica mais lenta que nos ajustes anteriores, perseverar no ajuste trará recompensas no futuro”, defendeu o órgão.