A cúpula do PT aprovou nesta quinta-feira, 18, uma resolução política em que eleva o tom dos ataques ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, também criticado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para o PT, Campos Neto usa a autarquia como um "bunker" para sabotar o País.
"Cabe ao partido manter a pressão por juros mais baixos até a saída do Banco Central do bolsonarista Roberto Campos Neto, que tem utilizado a autarquia como uma espécie de bunker para a sabotagem econômica do país e plataforma de articulação político-partidária", diz um trecho da resolução do Diretório Nacional do PT, obtida pelo Estadão.
O texto aprovado debita os principais problemas enfrentados por Lula na conta de Campos Neto. "Seja pelos relatórios eivados de suspeitas do Boletim Focus sobre as projeções da inflação no país, seja por entrevistas recheadas de dicas ao sistema financeiro, ou por convescotes com um político de oposição ao governo, Campos Neto tornou-se o maior entrave ao crescimento do país", afirma o comando do PT.
Sete meses e meio após ter chamado a política do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de "austericídio fiscal" e condenado a influência "desmedida" do Centrão sobre o governo, desta vez a cúpula do PT teceu elogios ao terceiro mandato de Lula. À época, dezembro de 2023, o presidente manifestou contrariedade com a resolução produzida pelo PT.
Apesar de bater o bumbo sobre ações do governo, o PT avisou que não aceitará sem protesto o corte de gastos em saúde e educação.
Nesta quinta-feira, 18, depois que a reunião do PT já havia terminado, Haddad anunciou que, para cumprir o arcabouço fiscal, o governo terá de congelar R$ 15 bilhões em despesas. O anúncio foi feito após reunião com Lula e ministros, no Palácio do Planalto.
"No momento em que o governo é pressionado pelo capital financeiro e a mídia corporativa para cortar gastos em cima dos mais pobres, é imperioso que o Partido dos Trabalhadores amplifique a firme defesa dos pisos constitucionais da saúde e da educação, recuperados após a superação do famigerado Teto de Gastos, e da vinculação do salário mínimo para pensões e o Benefício de Prestação Continuada (BPC)", destaca a resolução do PT, finalizada antes da entrevista de Haddad.
Ao dar estocadas em Campos Neto, o PT avaliou que "o bolsonarismo está sem discurso" após os desdobramentos de escândalos envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro e sua família no caso do desvio de joias, revelado pelo Estadão. Os petistas também fizeram questão de lembrar as investigações da Polícia Federal sobre a existência de uma Abin paralela no Planalto para perseguir adversários
No mês passado, Campos Neto participou de um jantar oferecido pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, no Palácio dos Bandeirantes. O encontro contou com a presença do ex-presidente Michel Temer e do ex-governador João Doria, além de ex-ministros, líderes de partidos de centro-direita e representantes do mercado financeiro, irritando Lula.
Pouco antes, naquele mesmo dia, Campos Neto havia sido elogiado por Tarcísio durante cerimônia na Assembleia Legislativa de São Paulo em que recebeu o "Colar de Honra ao Mérito Legislativo", em homenagem aos serviços prestados à frente do Banco Central.
Tarcísio pode ser candidato à Presidência em 2026, com apoio de Bolsonaro, que está inelegível até 2030. Lula e dirigentes do PT avaliam que Campos Neto se movimenta, nos bastidores, para favorecer o ex-chefe do Executivo e seus aliados. O presidente do BC nega qualquer vínculo ideológico em sua atuação.
No dia 19 de junho, em decisão unânime, o BC decidiu manter a taxa básica de juros (Selic) em 10,50% ao ano, interrompendo um ciclo de sete cortes consecutivos.
<b> Não se pode apenas depender do presidente Lula </b>
No texto que passou pelo crivo do Diretório Nacional, o PT diz, ainda, que "não se pode apenas depender do presidente Lula" para divulgar ações estratégicas do governo e mostrar como os juros elevados interferem na vida da população.
Em um parágrafo, os petistas destacam que Lula só obteve melhora na aprovação popular, de acordo com pesquisas, após criticar a "política de arrocho monetário" executada por Campos Neto e denunciar os "efeitos destrutivos" dos juros sobre o poder de compra das famílias.
"(…) O governo também deve ampliar o alcance dos seus canais de interlocução com sociedade, envolvendo todos os ministros na divulgação de ações estratégias que precisam chegar à população. Não se pode apenas depender do presidente Lula", assinala o documento.
O texto-base que norteou as discussões no PT é da tendência Construindo um Novo Brasil (CNB), corrente de Lula, de Haddad e da presidente do partido, Gleisi Hoffmann. Mas, desta vez, ganhou tom bem mais ameno.
O documento diz, por exemplo, que do fim do governo Bolsonaro para cá os resultados no campo social são "mais do que palpáveis", "em uma demonstração inequívoca dos acertos de Lula e da equipe econômica do ministro Fernando Haddad, que priorizou políticas sociais sem abdicar da responsabilidade com os gastos públicos".
A resolução cita o aumento do salário mínimo acima da inflação e a menor taxa de desemprego em dez anos (7,1%), com recorde de pessoas empregadas (101,3 milhões), entre outros itens.
"Em 2024, o salário mínimo garante 800 g. de picanha a mais no prato do trabalhador do que no ano anterior", compara o documento. No último dia 10, porém, o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), relator da regulamentação da reforma tributária, só incluiu as carnes na lista de produtos da cesta básica nacional – que terão alíquota zero – após muita pressão, principalmente por parte do PL de Bolsonaro.
<b>Evangélicos são tema espinhoso para partido</b>
A menos de três meses das eleições municipais, o PT admite que, mesmo com percalços sofridos por Bolsonaro, o cenário é desafiador para a esquerda, diante da escalada da extrema-direita. Sustenta, ainda, que, a estratégia do enfrentamento deve estar presente nas eleições de outubro, "inclusive em segmentos e temas espinhosos para o partido".
É nesse parágrafo que o PT defende, de forma genérica, a aproximação com os evangélicos, segmento no qual a desaprovação do governo Lula chegou a 52%, de acordo com pesquisa Genial/Quaest. "É preciso incorporar o discurso de defesa da família, mostrar propostas sobre segurança pública, por exemplo, e ampliar o diálogo com os evangélicos", afirma a cúpula do PT.
Em entrevista à TV Record, nesta terça-feira, 16, Lula mostrou que tenta se aproximar dos evangélicos por meio da agenda social e econômica, e não da pauta de costumes, como fez Bolsonaro.
Sem citar os ataques sofridos por Haddad nas redes sociais, onde ganhou o apelido de "Taxad", o PT prega a retomada do debate sobre a regulamentação "dos grandes conglomerados digitais, que lucram bilhões de dólares com a desinformação e a disseminação de mensagens de grupos de extrema direita" no Brasil e no mundo.
"Mais do que nunca é necessário que a sociedade cobre o Congresso por sua responsabilidade nessa discussão, que não pode ser submetida a caprichos ou disputas de poder dentro da Câmara ou do Senado", observa o texto.
Em junho, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), criou um grupo de trabalho para preparar outro projeto de lei com o objetivo de definir parâmetros de atuação às redes sociais. O colegiado substituiu a tramitação do projeto conhecido como PL das Fake News, que, na avaliação de Lira, foi "contaminado" pela discussão ideológica.
A regulamentação da reforma tributária pela Câmara foi comemorada pelo PT, mas o partido descreveu como "inadiável" a taxação sobre os mais ricos, "assim como aplicações em offshores, ao lado das casas de apostas".
Trata-se de outro capítulo em que o governo vai se dividir, pois partidos do Centrão – com ministérios na equipe de Lula – discordam dessa proposta e prometem barrá-la no Congresso.