Roberto Carlos, aos seis anos de idade, sofreu o acidente em que perdeu pé e perna, do lado direito de seu corpo. O artista, nas décadas seguintes, ainda enfrentaria a quase cegueira de Dudu, um de seus filhos. As mortes da sua primeira mulher, Nice, e da filha dela, Ana Paula, a quem ele se apegara. A morte de Maria Rita, ex-colega, com quem também vivera, apaixonadamente. A depressão provocada pela perda dela. E, por fim, uma consequência direta disto tudo, o transtorno psicológico que o levou a manias obsessivas e superstições exageradas.
Contudo – sabe quem o conhece na intimidade -, o peso psíquico deste histórico de mazelas desaparece, junto com seu eventual cansaço físico, quando Roberto canta. Entre amigos, ele garante: ao encerrar um show, se sente como se tivesse acabado de esquiar na Suíça. A música é uma libertação de todo tipo de incômodo para ele.
Dona Laura Braga, ex-costureira, mãe do cantor, deve ter experimentado também sensações de opressões corporais e mentais. Porque no período em que Roberto Carlos foi criança em Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, muitas mulheres, naqueles anos de 1940, viveram enclausuradas em seus lares, desde meninas. Poucas tiveram acesso à Educação Superior. E, se mantiveram dependentes de homens para tudo – se alimentarem, vestirem, se abrigarem num lar, e, ter algum status social. No início, de seus pais, mais tarde, dos maridos. Casadas, dispunham apenas da companhia dos pequenos filhos – gerados, sem parar, um a cada ano -, na maior parte de seus longos dias de enfado dentro de suas casas. Eles lhes davam alegria. Mas, também, muito trabalho. E, nos momentos de impaciência, angústia e culpa. Pois, sem orientação e apoio adequados para melhor educá-los, apelavam para as palmadas, surras, castigos, com os quais tinham sido criadas. Após os quais, inevitavelmente, se sentiam mal. Afinal, seus filhos, a quem amavam, eram ainda seres indefesos.
Assim, não era improvável que Dona Laura, como Roberto, mais tarde, afligida por cansaço e desgaste emocional, precisasse, como as outras mães, cantar. Baixinho, pensativa, distante. Alimentando, sabe Deus, que sonhos e lembranças. Um lindo canto que circulava em surdina pela casa, e, seus filhos levariam sempre na memória. “Quando o carteiro chegou/ e meu nome gritou/, com uma carta na mão/. Ante surpresa tão rude/, nem sei como pude/ chegar ao portão”. “Aos pés da Santa Cruz/, você se ajoelhou/. Em nome de Jesus/, um grande amor você jurou”. “Não, não me diga adeus/. Pense nos sofrimentos meus”.
Hoje, felizmente, as mães não têm mais aqueles padecimentos. Mas – que pena! – já não cantam em casa.
(Ilustração: Mãe brasileira dos anos 50)