A inclusão do quarteto de cordas opus 7, o primeiro de Arnold Schoenberg, no concerto de quinta, 14, do quarteto francês Diotima, na Sala São Paulo, dentro do Festival de Inverno, foi importante para dois públicos: os bolsistas, que viram uma performance soberba dessa obra difícil para os intérpretes e que marca uma virada da narrativa na música do século 20, quando ela ainda usa ferramentas tradicionais, mas já aponta para novas formas na música do futuro. E o público, que conheceu uma obra revolucionária que soa palatável aos ouvidos acostumados às músicas tonais.
Tudo isso seria impossível não fossem a competência e o talento do Diotima, cujos integrantes são apaixonados pela música do século 20 e já a gravaram extensivamente. Escrito em 1904, o quarteto rompe com a narrativa tradicional, diagnóstico dado por seu aluno Alban Berg no artigo de 1924 Por que a música de Schoenberg é tão difícil de compreender?
E Berg diz isso a propósito desse quarteto: “Para compreender a música, é preciso reconhecer o começo, o desenvolvimento e o fim de todas as melodias que a compõem, ouvir o resultado de sua simultaneidade não como manifestação do acaso, e sim como conjunto de harmonia e progressões harmônicas, experimentar o sentido de todos os contrastes e seguir o desenvolvimento da peça como seguimos o de um poema cuja língua conhecemos”.
Até aquele momento, Schoenberg tinha lidado com música de programa, como no sexteto de cordas Morte Transfigurada, de 1899, baseado num poema com cheiro de telenovela (casal passeia e ela diz que está grávida, ele começa a comemorar, mas ela diz que é de outro; passam a noite inteira brigando até a conciliação final no alvorecer, ele admitindo assumir o filho). Cinco anos depois, no quarteto, ele esboçou um programa em 19 linhas: aspirações e dúvidas iniciais; o elã, o amor, a decepção. A dor, a formação do sonho e o retorno à serenidade.
Depois do escândalo na estreia em 1905, quando Gustav Mahler teve de acalmar a plateia revoltada, Schoenberg decidiu manter secreto o programa. Na verdade, ele aplica a forma-sonata no que seriam os quatro movimentos convencionais de um quarteto de cordas. Os 45 minutos podem ser lidos de duas maneiras; como movimentos interligados (convencional); ou uma nova maneira de se lidar com obras mais extensas – desafio ainda importante para a música não tonal.
Por tudo isso, foi decisivo o concerto do Diotima. Raras vezes, a música de Schoenberg chegou aos nossos ouvidos em performance tão admirável.