Recebida por quatro autoridades do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Luciane Barbosa Farias, de 37 anos, se descreve nas redes sociais como ativista de direitos humanos e estudante de direito. Documentos do Ministério Público do Amazonas (MPAM) apontam, no entanto, que ela tem uma outra função: lavar o dinheiro do Comando Vermelho.
Conhecida como a "dama do tráfico amazonense", Luciane é acusada de ser o braço financeiro da facção. Ela é casada há 11 anos com o traficante Clemilson dos Santos Farias, o Tio Patinhas, um dos líderes do Comando Vermelho no Amazonas.
Luciane se apresenta como presidente do Instituto Liberdade do Amazonas (ILA), que, segundo o site da entidade, atua em favor dos direitos humanos e fundamentais de presos. Criada em abril de 2022, a ONG seria financiada pelo crime organizado, de acordo com inquérito sigiloso da Polícia Civil do Amazonas obtido pelo <b>Estadão</b>.
Apesar das relações com o crime organizado, Luciane foi recebida por duas vezes para audiências no Ministério de Flávio Dino, em Brasília. Em março, ela conversou com o secretário de Assuntos Legislativos da Pasta, Elias Vaz. Pouco mais de um mês depois, se reuniu com Rafael Velasco Brandani, titular da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen); Paula Cristina da Silva Godoy, da Ouvidoria Nacional de Serviços Penais (Onasp); e Sandro Abel Sousa Barradas, diretor de Inteligência Penitenciária. O nome de Luciane foi omitido das agendas oficiais das autoridades.
O Ministério alega que Luciane estava como "acompanhante" nas reuniões e que era "impossível" o setor de inteligência detectar previamente a presença dela. A advogada responsável por agendar as audiências, segundo o Ministério, seria a ex-deputada estadual do PSOL Janira Rocha. Ela também recebeu pagamentos da facção criminosa, conforme revelou o <b>Estadão</b> nesta terça-feira, 14.
<b>Participação de Luciane Barbosa no Comando Vermelho é inquestionável , diz desembargadora</b>
Luciane afirmou em nota que não é "faccionada" de nenhuma organização criminosa e que está sendo criminalizada pelo fato de ser esposa de um detento. Para a desembargadora que assinou a condenação, Vânia Marques Marinho, do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), não há dúvidas sobre a participação de Luciane Barbosa no Comando Vermelho.
Ela foi condenada em segunda instância a 10 anos de prisão por associação para o tráfico, organização criminosa e lavagem de dinheiro, mas recorre em liberdade. Na mesma decisão, Clemilson é sentenciado a uma pena de 31 anos e 7 meses de reclusão pelos mesmos crimes.
"Luciane Barbosa Farias era a responsável por acobertar a ilicitude do tráfico, tornando o numerário deste com personificação lícita, ao efetuar compra de veículos, apartamentos e até mesmo abrindo empreendimento. Logo, inquestionável é a participação da Apelada na organização criminosa Comando Vermelho ", escreveu Marinho em seu voto.
O Ministério Público do Amazonas descreve ainda Luciane como "comparsa" dos crimes do tráfico e que demonstrava "inteligência financeira". "Ao tempo em que aparecia como esposa exemplar, era o braço financeiro de Tio Patinhas. Exercia papel fundamental também, na ocultação de valores oriundos do narcotráfico, adquirindo veículos de luxo, imóveis e registrando empresas laranjas ", diz o Ministério Público na denúncia.
"Com sua postura, demonstrando inteligência financeira, Luciane Barbosa Farias, conquistou confiabilidade da cúpula da Organização Criminosa Comando Vermelho , dividindo posto com seu esposo Clemilson, este, por sua vez, provido de ímpeto cruento, enquanto sua esposa agia friamente calculando, ocultando, empregando, e lavando valores oriundos da máquina criminosa do tráfico de drogas perpetrado por ambos", acrescenta a denúncia.
Luciane se casou com Clemilson em 30 de outubro de 2012. Em seguida a mulher abriu um salão de beleza que, segundo a investigação, era usado para lavar o dinheiro do tráfico. O nome do salão era Studio De Beleza Sempre Fina e, segundo depoimento de Luciane, tinha um faturamento de entre R$ 6 mil e R$ 8 mil por mês.
Chamou a atenção dos investigadores, no entanto, o rápido enriquecimento do casal. A declaração de Imposto de Renda de Luciane apresentava bens de R$ 30 mil em dezembro de 2015. Um ano depois, passou para R$ 346 mil, alta de 1.053%. A polícia também identificou que o casal era dono de ao menos três imóveis no Amazonas e em Pernambuco, além de seis veículos (sendo uma moto, três carros e dois caminhões).
"Ou seja, em um lapso temporal de apenas um ano, seus pecúlios multiplicaram-se, misteriosamente, ao décuplo, contrastando, e muito, com a renda auferida naquele exercício, qual seja, de apenas R$ 36,2 mil", afirmou Marinho na condenação.
Luciane negou a acusação e, em depoimento, disse ter comprado seus imóveis e veículos com o dinheiro do salão. Hoje, Luciane e Clemilson são sócios em uma transportadora, conforme documentos da Receita Federal. Além de reuniões com o Ministério da Justiça, a dama do tráfico amazonense esteve no Ministério dos Direitos Humanos (MDH), no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e na Câmara dos Deputados.
Nas suas redes sociais, ela exibiu fotos tiradas no Salão Verde, área de grande circulação, com os deputados Guilherme Boulos (PSOL-SP) e Daiana Santos (PC do B-RS). Elas também posou com André Janones (Avante-MG). Além de postar fotos na porta dos gabinetes do ex-ministro da Saúde de Jair Bolsonaro (PL), o general Eduardo Pazuello (PL-RJ), e do deputado Júnior Ferrari (PSD-PA).