Os mesmos músculos que os seres humanos contraem, nas extremidades da boca, ao exprimirem amizade, eles o utilizam, igualmente, para demonstrar hostilidade, diz Martha Steinberg, no livro “Os elementos não-verbais da conversação”.
“Riso de hiena” é a expressão popular que designa, há muitos anos, este uso dos músculos da boca. Quando, com eles, em vez de demonstração de simpatia e solidariedade, há dissimulação, sem maior empenho, de ódio e desprezo. Pois, de fato, se quer, então, ofender e amedrontar, de modo perverso, com pretensa superioridade.
Por isto, hoje, causam angústia os trechos do programa “Trapalhões”, postados no site do jornal O Estado de São Paulo. Que ilustram matéria sobre os preconceitos veiculados naquele programa, durante trinta anos, entre um público composto de milhões de crianças brasileiras, através da emissora de maior audiência na época. Preconceitos contra negros, nordestinos, gays e obesos.
Não poderia, evidentemente, ter surgido algo melhor em nosso País, depois desta intensa e prolongada difusão de conteúdo moralmente malsão, entre crianças. Apenas a geração de supostos artistas que obtém dinheiro e fama caçoando, de modo chocante, das mesmas minorias, em sessões vagabundas de stand up comedy, conforme registra o documentário “O riso dos outros”. Os quais atraem casais de classe média, com os mesmos desvios de formação humana e moral, em cidades brasileiras, dispostos a saírem de suas casas, nos finais de semana, a enfrentarem despesas com deslocamentos e ingressos, para rirem, com deboche, de pobres, negros, homossexuais e gordos.
Nestes tristes espetáculos, só num delírio, alguém pode enxergar aquilo, em geral, associado pelas pessoas à palavra humor. Como o sentido ingênuo e poético dos shows de verdadeiros clowns e palhaços. As surpresas diante de alguma impossibilidade lógica – que, segundo Kant e Schopenhauer, alimentam o humor. As saudáveis libertações de tensões, oriundas de repressão social, no entendimento de Freud. Ou, ainda, críticas sociais sutis e inteligentes, com as quais Aparício Aporelly, o autodenominado Barão da Itararé, impregnou suas frases.
A pretendida superioridade neste tipo de riso perverso, é claro, não engana. Aliás, nos próprios ruídos emitidos pelas hienas há, na verdade, uma carga de frustrações, causada na competitividade da vida em bandos, como constataram, recentemente, cientistas da Universidade da Califórnia, num estudo publicado pela revista BMC Ecology.
Está também, sem dúvida, ressentida com frustrações surgidas nos seus grupos sociais esta parte da classe média brasileira que ri como hiena naqueles espetáculos. O desafio, para quem quiser entendê-la, é saber, de modo preciso, com quais frustrações, na tormentosa conjuntura brasileira.