Estadão

Quero libertar a Procuradoria de pautas ideológicas, diz candidato à chefia do MPSP

O procurador José Carlos Bonilha, 60 de idade, 34 de carreira, candidato de oposição a procurador-geral de Justiça de São Paulo, tem um mundo de metas traçadas na cabeça, se eleito. Uma delas, em suas palavras, é libertar a Procuradoria-Geral de Justiça de pautas de natureza ideológica .

"Assegurar a independência funcional dos promotores, Ministério Público de São Paulo sem militância político-partidária. Recuperação da autoestima, arranhada por equivocadas posturas adotadas pela chefia da Instituição, ao se aproximar inadequadamente da política partidária."

O futuro procurador-geral vai substituir Mário Luiz Sarrubbo, que dirigiu a Instituição por dois mandatos consecutivos em quatro anos. Agora aposentado, Sarrubbo assumiu a cadeira de secretário nacional de Segurança Pública do governo Lula.

A eleição para o topo do Ministério Público paulista ocorre no próximo dia 13, sábado. Ela é feita pelo sistema eletrônico. Os promotores votam de onde estiverem, pelo computador, pelo celular. A apuração se dá em minutos, após encerrado o pleito.

Cerca de dois mil promotores vão eleger a lista tríplice. Os nomes serão levados ao Palácio dos Bandeirantes e submetidos ao governador Tarcísio de Freitas, a quem cabe escolher o novo chefe do Ministério Público estadual.

O governador, aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, pode indicar qualquer nome da lista tríplice, não importa a colocação do escolhido. Prerrogativa que a Constituição confere ao chefe do Executivo. O eleito vai comandar a Procuradoria por dois anos. Ele pode se candidatar à reeleição.

Cinco são os candidatos à cadeira mais cobiçada do MP.

Pela situação, com apoio de Sarrubbo, saem dois procuradores: José Carlos Cosenzo e Paulo Sérgio de Oliveira e Costa.

Pela oposição, dois procuradores subiram no ringue; José Carlos Bonilha e Antônio Da Ponte.

A procuradora Tereza Exner, única mulher no embate, corre por fora , nem alinhada à oposição, nem à situação. É briga boa.

A reportagem do <b>Estadão</b> entrevistou os cinco. A eles foram enviadas perguntas por escrito – o mesmo rol de indagações a todos.

José Carlos Bonilha é católico, casado, pai. Gosta de literatura, música e viagens. Esportes também.

Em sua campanha à PGJ, Bonilha constatou o que chama de falta de estrutura e apoio às Promotorias. E mais: "Constatei inquietação e desejo de que haja correção de rumos na Procuradoria-Geral de Justiça".

<b>LEIA A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA DE JOSÉ CARLOS BONILHA AO ESTADÃO</b>

<b>Qual o seu Ministério Público ideal?</b>

Que esteja em permanente contato com a sociedade e receba dela a pauta genuína, colocando todo o seu portentoso ferramental à disposição para equacionar as demandas sociais. Ministério Público de São Paulo sem militância político-partidária e que esteja conectado com as legítimas reivindicações apresentadas pela sociedade. Cumpridor da Constituição e das leis.

<b>Que projetos o sr. tem para a Instituição?</b>

Libertar a Procuradoria-Geral de Justiça de pautas de natureza ideológica. Assegurar a independência funcional dos membros da Instituição. Conferir aos titulares das Promotorias de Justiça autonomia na gestão administradora. Ampliar o home office para todos os membros e servidores, inclusive promotores substitutos. Resgatar o protagonismo da PGJ juntos aos Tribunais. Recuperar a paridade vencimental, quitando o passivo que a Instituição contraiu para com os seus membros e servidores. Incrementar a atuação na área criminal, dever primário do MP. Investir em investigações, estimulando a qualificação de membros e servidores. Aperfeiçoar os sistemas operacionais para que sejam intuitivos, inteligentes e de fácil navegação. Dotar as unidades de quadro adequado de servidores, analistas, oficiais e auxiliares, bem como de estagiários. Valorizar a atuação na defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Recuperação da importância na atuação em defesa da família, da infância e da juventude.

<b>Por que quer ser procurador-geral de Justiça de São Paulo?</b>

Para recuperar a Procuradoria-Geral, devolvendo a ela a importância que lhe cabe. Para trabalhar colocando o MP como verdadeiro protagonista nas suas áreas de atuação. Devolvendo a autoestima aos membros e servidores. Defender incansavelmente os valores caros ao MP, assegurando a autonomia orçamentária, fazendo com que as suas teses institucionais sejam acolhidas. Para atuar com altivez, de maneira republicana, com independência e sem preocupação com interesses pessoais, pois a Instituição está e sempre estará acima dos ocupantes dos seus cargos.

<b>O que pretende priorizar na reta final de campanha?</b>

Continuar estabelecendo contatos com toda a classe, pois o nosso projeto é verdadeiramente coletivo e institucional, e não pode prescindir dos valorosos subsídios oferecidos pelos que se acham na linha de frente, na atividade-fim. O projeto está em constante mutação, nunca findo, e absorve as colaborações ofertadas pelos qualificadíssimos membros do Ministério Público de São Paulo.
A reta final também será aproveitada para esclarecer os eleitores e eleitoras a respeito do nosso projeto, e suas diferenças para com os demais. Toda reunião é importante, porque alimenta o projeto e assegura instrução e informação aos eleitores.

<b>Em suas visitas às Promotorias o que pôde constatar?</b>

Constatei uma enorme abnegação e dedicação por parte dos qualificados colegas, que têm indisfarçável vocação para servir a sociedade. Constatei falta de estrutura e apoio, que devem ser fornecidas pela PGJ. Constatei inquietação e desejo de que haja correção de rumos na PGJ.

<b>O que é que os promotores mais almejam?</b>

Estrutura consentânea com a realidade. Melhores condições de trabalho, com mais servidores, sistemas operacionais adequados, e valorização da atividade-fim. Investimentos e qualificação. Recuperação da autoestima, arranhada por equivocadas posturas adotadas pela chefia da Instituição, ao se aproximar inadequadamente da política partidária, vez que isso não consulta os superiores interesses do MP.

<b>Promotor também deveria concorrer ao topo do MP? Por quê?</b>

Sem dúvida alguma. Estabelecidos uma idade mínima e um tempo mínimo de carreira, nada impede que promotoras e promotores ofereçam os seus nomes para disputarem os cargos da administração superior e comporem a comissão de concurso.

Há incontáveis colegas que têm muita experiência de vida e funcional, sensibilidade, sabedoria, talento, e que fizeram a opção por permanecer trabalhando na primeira instância. Esses colegas devem ser aproveitados para emprestar o seu talento e sabedoria, nada justificando que sejam alijados, em decorrência de normas preconceituosas e anacrônicas contidas na Lei Orgânica do MPSP.

A oxigenação e o arejamento devem ser implementados, com a permissão para que colegas que optam por permanecer na primeira instância venham a disputar esses cargos de destaque e relevo, como também venham a integrar a comissão de concurso de ingresso à carreira.

<b>O governador é bolsonarista. Ele vai escolher o futuro chefe da Instituição. Se o sr. assumir o comando do MP paulista, conseguirá agir com isenção em investigações sobre o ex-presidente Bolsonaro?</b>

Cabe ao procurador-geral de Justiça, como chefe do MP, agir com independência e imparcialidade, cumprindo as normas constitucionais e legais, sem que haja qualquer inferência de natureza pessoal ou política partidária. Por isso não parece adequado que o cargo seja ocupado por aquele que já se afastou da carreira, servindo ao governo do Estado. Espera-se atuação correta e isenta, e esse é um dos compromissos que assumo.

<b>Como vai proceder em episódios como a Operação Verão, à qual têm sido atribuídas até execuções por policiais militares na Baixada Santista?</b>

A Polícia Militar goza merecidamente de muito prestígio junto ao conjunto social, mercê dos relevantes serviços que presta à população. A criminalidade vem aumentando assustadoramente e é dever primário do MP se unir às forças de segurança do Estado, para assegurar segurança pública, tão desejada pela sociedade. O MP não tem pauta própria. A pauta é da sociedade e ela clama por segurança.

Excessos perpetrados por aqueles que estão nas ruas, combatendo a criminalidade, devem ser apurados e, se o caso assim o recomendar, responsabilizados.

Não se pode, no meu entender, partir da equivocada premissa de que a PM, enquanto corporação, atua com desmedida violência e contra os interesses da população.

<b>O Supremo Tribunal Federal tem sido criticado por sua atuação em casos emblemáticos como a investigação do 8 de Janeiro. Vê excessos?</b>

Não conheço os autos, e o que sei deriva de notícias jornalísticas. Talvez, ou certamente, os autos revelem elementos de prova que indiquem a ocorrência dos graves crimes.

A essa conclusão não se pode chegar vendo apenas as imagens, que sugerem depredação ao patrimônio público e histórico, quebra-quebra, baderna generalizada, desordem etc…

Não vi tanques nas ruas nem apoio das Forças Armadas. Assisti, como todos nós, a uma grotesca manifestação, que não pode ser admitida. Mas não tenho condições de afirmar conclusivamente, por não ter acesso aos autos dos processos.

<b>Dezessete anos de prisão para invasores da Praça dos Três Poderes, acusados de atos antidemocráticos e abolição violenta do estado de direito, é uma pena justa?</b>

Reporto-me ao que disse.

<b>Qual a sua proposta para o drama da Cracolândia?</b>

Questão absolutamente complexa, que exige ser enfrentada a partir do ponto de vista da saúde pública, da habitação e moradia, da segurança pública, da ordenação e adensamento em vias públicas, da ocupação de espaços públicos e da dignidade da pessoa humana.

Há uma decisão monocrática do STF que impede que municípios e Estados-membros adotem medidas para a retirada das pessoas que se encontram nas ruas. Essa decisão confere prazo para que o governo federal apresente plano para o enfrentamento dessa grave questão, que aflige a todos, e não apenas aos que estão em condições sub-humanas.

Penso que o respeito à dignidade da pessoa humana esteja a inspirar e exigir tomada de medidas adequadas, restabelecendo as condições mínimas para que essas pessoas recobrem a capacidade e discernimento, isso merece ser aquilatado e, a partir dessa aferição, encaminhar-se para tratamento, recuperação, desintoxicação, sinalizando concreta possibilidade de retomada à normalidade.

<b>Qual a sua sugestão para o futuro prefeito de São Paulo?</b>

São inúmeros os desafios que a cidade apresenta. Mobilidade, déficit habitacional, insegurança, educação e saúde deficitárias, questões ambientais, famílias morando nas ruas… e tantos outros temas que uma metrópole tão desigual do ponto de vista socioeconômico apresenta.

Somar esforços com o governo do Estado, estabelecer parcerias público-privadas e trabalhar em conjunto com Poderes e instituições públicas, além da própria sociedade civil organizada, são alternativas factíveis e necessárias. Não se pode, como sabido, prescindir da iniciativa privada, que tem muito a contribuir.

Somente o somatório de esforços poderá permitir o equacionamento dos severos problemas e um melhor porvir.

<b>O PCC avança como um trator e se infiltra em setores do poder público. Como pretende enfrentar o crime organizado cada vez mais ousado e agressivo?</b>

Trabalho de inteligência e valorização dos que se ocupam com a segurança pública. Estabelecimento de parcerias e coragem política para enfrentar o crime organizado. Há qualificadíssimos quadros que atuam na área de segurança pública. É preciso vontade política para valorizá-los, e fazer com que o Estado se faça respeitar, não sendo admissível território que o Estado não possa entrar. Investimento e qualificação dos agentes que devem enfrentar a criminalidade organizada. Vontade política para realizar esse embate. O Estado não pode se acovardar.

<b>Qual a sua receita para redução da criminalidade nos grandes centros?</b>

O crime não pode ser visto como vantajoso, em razão de pequenas sanções, liberdades precocemente obtidas e frouxidão na execução das reprimendas. Claro, há infrações que não exigem que os seus autores sejam encarcerados. Mas estamos a tratar de crimes graves, como latrocínio, tráfico, estupro, corrupção, homicídio, etc…

Para esses delitos, o império da lei deve servir como desestímulo.

O medo da lei reduz a quantidade de crimes.

Sanções adequadas proporcionalmente e executadas corretamente, sem se admitir o retorno ao convívio social para aqueles que não se encontram em condições, servem para a redução da criminalidade.

Por óbvio, há causas subjacentes ao crime, que podem ser abordadas no campo sociológico, que nos remetem à falta de ensino, deficiência ao acesso de postos de trabalho, famílias completamente desestruturadas.

Mas, para além disso, que exige providências por parte do Estado, há que se preocupar com a atualidade e realidade.

Penas rigorosas para crimes graves, que sejam executadas corretamente.

Trabalho de fortalecimento e valorização dos que se ocupam com a segurança pública, atuação inteligente e estabelecimento de parcerias, para o êxito nas investigações, podem e devem ajudar no combate à criminalidade.

<b>A LONGA JORNADA DE JOSÉ CARLOS BONILHA NO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SÃO PAULO</b>

Foi promotor de Justiça titular do Júri, de Família e Sucessões, de Registros Públicos, de Direitos Humanos, titular da primeira Zona Eleitoral da capital.

Exerceu funções cumulativas nas comarcas de Urupês, Ibiúna e Campinas.

Como procurador de Justiça, atua perante a Seção de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Foi diretor-geral do Ministério Público de São Paulo e membro, eleito pela classe, do Conselho Superior do MP.

Foi assessor da Corregedoria-Geral do MP. Integrou o Conselho Estadual do Meio Ambiente. Assessorou o Centro de Apoio Operacional de Meio Ambiente e Habitação e Urbanismo.

É Mestre em Direito pela PUC-SP.

Autor de artigos e livros jurídicos. Lecionou em faculdades de Direito e em cursos preparatórios para concursos públicos. Foi membro da banca examinadora do 11.º Concurso para Outorga de Delegação.

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