Em uma reviravolta, o presidente William Ruto, do Quênia, disse nesta quarta-feira, 26, que não irá assinar a lei financeira que, segundo ele, estabilizaria a economia do país, em uma resposta aos protestos do dia anterior, que deixaram mais de 20 mortos e centenas de feridos em Githurai, subúrbio a leste da capital, Nairóbi.
"Ouvindo atentamente o povo do Quênia, que disse em voz alta que não quer ter nada a ver com esta lei, reconheço e, portanto, não assinarei a lei financeira de 2024, que será posteriormente retirada", afirmou Ruto em um discurso. O anúncio foi uma mudança repentina de rumo para o presidente, que, em outro discurso na noite anterior, chamou os manifestantes de "criminosos perigosos" e "traidores", além de enviar os militares para se juntarem à polícia na repressão aos protestos.
Na terça-feira, 25, manifestantes invadiram o edifício do Parlamento e incendiaram o prédio depois que legisladores votaram pela aprovação da legislação. Em resposta, a polícia disparou gás lacrimogênio e vários tiros. Embora o número exato de vítimas ainda estivesse sendo contabilizado, grupos de direitos humanos estimam que 23 pessoas foram mortas e centenas ficaram feridas. Ainda não está claro quantas pessoas foram presas. O número de mortos tornou-se um dos episódios mais sangrentos da história recente do país.
<b>O que dizia a lei?</b>
Em maio deste ano, o governo de Ruto apresentou a lei ao Parlamento, como um esforço para aumentar as receitas e ajudar o país a lidar com a imensa dívida baseada em empréstimos. Inicialmente, o projeto de lei previa impostos sobre bens essenciais, como pão e óleo de cozinha, e carros, mas a reação pública fez com que os legisladores reduzissem alguns impostos. No entanto, as reversões não conseguiram inviabilizar os protestos públicos, que cresceram nas últimos semanas.
Os críticos do projeto afirmam que o presidente aumentará o custo dos bens para os consumidores em um país que já enfrenta um alto custo de vida. A oposição geral fala de uma tendência na África, onde os jovens suportam cada vez mais o peso do aumento do desemprego e todos os quenianos sofrem com os preços elevados, motivados em parte pela pandemia de covid-19 e pelas perturbações comerciais causadas pela invasão da Ucrânia pela Rússia.
No Quênia, um fator adicional é o peso de uma enorme dívida nacional. A raiva e o ressentimento em relação ao presidente William Ruto, que fez campanha com a promessa de melhorar os padrões de vida das pessoas em situação de pobreza, inflamou um público cada vez mais insatisfeito. O governo de Ruto aumentou anteriormente os custos dos seguros de saúde e da eletricidade, o que, juntamente com os desastres naturais, levou a manifestações no ano passado – segundo grupos de direitos humanos, houve 57 mortos nesses protestos.
A polícia queniana há muito é acusada por grupos de direitos humanos de reprimir manifestantes com métodos duros e de execuções extrajudiciais em unidades policiais.
Há menos de um mês, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, recebeu Ruto na Casa Branca para um jantar de Estado, na esperança de reforçar o instável equilíbrio das alianças dos Estados Unidos com a África. Na segunda-feira, 24, Ruto enviou um primeiro contingente de policiais quenianos ao Haiti como parte de um plano liderado pelo governo Biden para reprimir a violência de gangues no país, uma mobilização que atraiu críticas internas. Alguns questionaram se a polícia queniana, que tem um histórico de brutalidade, estaria apta para tal missão. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)