Na moda, é bonito ser blasé e manter aquele ar de indiferença e superioridade. Isso, de certa forma, demonstra confiança nas próprias escolhas, personalidade, nível alto de sofisticação – e baixo de deslumbramento. No entanto, escolher um protagonista blasé como Raf Simons, e fazer dele a porta de entrada para um documentário sobre o mundo da moda, é aceitar um tremendo desafio: o de mostrar as emoções profundas que envolvem um criador sob pressão extrema. Missão bem cumprida pelo diretor Frédéric Tcheng ao enfocar o estilista belga no documentário Dior e Eu, que entra em cartaz nesta quinta, dia 27.
O filme revela os bastidores do primeiro desfile assinado por Raf Simons para a Dior, em julho de 2012. Ele carrega o peso do mundo da moda nas costas sabendo da grande responsabilidade que assumiu ao aceitar dirigir uma das grifes que vivem no Olimpo do luxo francês. “Raf tem novas ideias, um novo jeito de trabalhar, uma nova atitude e eu estava procurando um novo ângulo da moda. Então ele era perfeito”, diz Tcheng, que codirigiu outros dois documentários de moda, Valentino: The Last Emperor e Diana Vreeland: The Eye Has to Travel.
Trata-se de uma história tensa. Afinal, Raf se destacou no comando na marca Jil Sander, grife alemã de prêt-à-porter, conhecida por seu minimalismo. Reservado e avesso a badalações e entrevistas, o estilista representa o tipo de criador do momento. Não é excêntrico, não tem rompantes de estrelismo, nem se acha um gênio. É uma pessoa linear. Veste sempre um suéter de tricô preto, fala baixo, com educação, e reflete a profissionalização imposta, atualmente, também à área criativa, que faz girar a roda da indústria global e bilionária que a moda de luxo virou.
No filme, ele conta que faz visitas diárias a museus e galerias, descreve a forma como desenvolve uma estampa com base em um quadro expressionista exposto no Pompidou e mostra todo o seu empenho e obstinação em busca da inspiração (que, dificilmente, cai do céu).
Vale lembrar que Raf assumiu a Dior há três anos, quando seu estilista, o inglês John Galliano, foi repentinamente demitido depois de ser flagrado, bêbado, fazendo ofensas antissemitas num bar de Paris.
Fundada em 1947, por Christian Dior, a maison revolucionou a moda na época do pós-guerra, devolvendo a feminilidade às mulheres, com o chamado New Look, com saia rodada, cintura de vespa e o blazer do tailleur abaulado (e não mais com as ombreiras retas e quadradas, que vinham dos uniformes militares). As estampas florais também fizeram história, dando graça aos vestidos. Dior morreu em 1957 e em apenas dez anos deixou um legado enorme de modelos, casacos, luvas, chapéus, perfumes…
Para quem orbita em torno desse universo, o filme é esclarecedor. O coração da maison pulsa nas mesas de costura, conforme o ritmo de Monique Bailly, a chefe do ateliê de alfaiataria, e Florence Chehet, chefe do ateliê de vestidos. Monique deixa sua apreensão na cara, enquanto Florence se mostra mais receptiva.
Há também Catherine Rivière, chefe de alta-costura que, quando Simons fica aborrecido por Florence ter sido enviada a Nova York para a prova de vestido de uma cliente norte-americana, apenas lamenta, informando ao espectador: “Quando uma mulher gasta ¤ 350 mil por estação, nós não dizemos não”. Simons a enfrenta com seu equilíbrio que parece inabalável. Minutos antes de seu desfile de estreia, porém, ele deixa que lágrimas escorram. Não há ar blasé que resista à sensação de dever cumprido e, por isso mesmo, para quem vive cheio de responsabilidades nas costas, o filme é tocante. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.