Opinião

Rainha, quem te viu, quem te vê

Bons eram aqueles tempos em que a gente recebia a notícia sobre a prisão de um líder popular quando ele lutava por uma causa nobre. A notícia era boa não pela prisão em si, mas por perceber que ideologias falavam alto. Agora, os mesmos que se destacavam perante a sociedade por difundirem ideais – mesmo que discutíveis e até reprováveis – vão para trás das grades por desvio de dinheiro público.


Quem poderia imaginar que José Rainha Junior, quase um ícone da esquerda brasileira dos anos 80, acaba preso acusado por desvio de dinheiro do governo que deveria ser destinado à reforma agrária.  Impossível esquecer aquele líder dos sem terra, um dos primeiros a bradar em voz alta sobre os direitos dos homens do campo. Alguém que se colocava na linha de frente contra as forças no fim da ditadura militar, originando um dos movimentos populares de maior força do país. Hoje, iguala-se a tudo de ruim que pode existir na política brasileira.


Nos tempos de universidade, quando eu era líder estudantil, apesar de nunca me afeiçoar com os movimentos mais radicais, a gente via no Rainha um cara que parecia defender com o sangue sua causa. Os anos foram passando e as ideologias  – para muitos desses   – foram pelo ralo. Basta olhar quem  hoje representa a esquerda brasileira. Talvez, ela nem exista mais, de fato. Há ainda alguns abnegados que tentam sobreviver, mas sem conseguir mais agir com a convicção necessária.


Tem aqueles que insistem em defender o ex-ex-ministro Antonio Palocci apenas pelo fato dele ser um companheiro de partido. Ignoram os escândalos em que se envolveu, tanto no caso do mensalão, em 2005, como agora no episódio do enriquecimento meteórico. Há quem condene a finalidade do erro, sem considerar a forma. Coisa de fanáticos.


Talvez, a prisão de Rainha também venha a ser justificada dessa forma. Afinal, pode ser que desviar dinheiro público de ONG seja uma prática natural, que até conste da cartilha de determinados setores, que se mantém no poder.


Afinal, como condenar o líder dos sem-terra se tirar proveito próprio do dinheiro público virou praxe em um país de desigualdades? Em um lugar em que a esquerda endireitou, a direita se esfacelou e o centro está fora de eixo? Sim. Está aí uma pergunta difícil – ou impossível – de ser respondida. Talvez a gente não busque mesmo certas respostas. Melhor então continuar perguntando. Quem sabe um dia a ficha caia.


Ernesto Zanon


Jornalista, diretor de Redação do Grupo Mídia Guarulhos, escreve neste espaço na edição de sábado e domingo


No Twitter: @ZanonJr


 

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