No centro de um suposto esquema de espionagem dentro do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), que comandou a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o mandato do ex-chefe do Executivo, ainda busca informações sobre a operação da Polícia Federal (PF) desta sexta-feira, 20, para se posicionar.
Ex-diretor da agência de inteligência, Ramagem esteve à frente do órgão durante o período em que os servidores presos teriam utilizado a estrutura estatal para localizar os alvos da espionagem.
Procurada pelo <b>Estadão</b> nesta manhã para se pronunciar sobre os mandados cumpridos pela PF na Operação Última Milha em seis Estados e no Distrito Federal, a assessoria do parlamentar afirmou que "ainda está tomando conhecimento do assunto". O caso mira supostos crimes de invasão de dispositivo informático alheio, organização criminosa e interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.
Segundo a PF, o grupo sob suspeita teria usado o sistema da Abin – um "software intrusivo na infraestrutura crítica de telefonia brasileira" – para rastrear celulares "reiteradas vezes". Os crimes teriam sido praticados sob o governo Jair Bolsonaro. À época, o órgão era comandado por Alexandre Ramagem.
De acordo com informações da TV Globo, os agentes rastrearam celulares de frequentadores do STF, incluindo os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Os investigadores identificaram 33 mil rastreamentos, sendo que, na lista de alvos, há o nome do ministro Alexandre de Moraes.
Os servidores presos nesta manhã teriam usado o "conhecimento sobre o uso indevido do sistema como meio de coerção indireta para evitar a demissão em processo administrativo disciplinar do qual eram alvo.
Em nota, a Abin diz que a Corregedoria-Geral da agência concluiu, em 23 de fevereiro de 2023, uma correição extraordinária – apuração interna – para verificar a regularidade do uso de sistema de geolocalização adquirido pelo órgão em dezembro de 2018. A partir das conclusões dessa correição, foi instaurada sindicância investigativa no dia 21 de março. De acordo com a Abin, a ferramenta deixou de ser utilizada em maio de 2021.
"Desde então, as informações apuradas nessa sindicância interna vêm sendo repassadas pela Abin para os órgãos competentes, como Polícia Federal e Supremo Tribunal Federal. Todas as requisições da Polícia Federal e do Supremo Tribunal Federal foram integralmente atendidas pela Abin. A Agência colaborou com as autoridades competentes desde o início das apurações. A Abin vem cumprindo as decisões judiciais, incluindo as expedidas na manhã desta sexta-feira (20). Foram afastados cautelarmente os servidores investigados", diz em nota.
<b>Ramagem é aliado de longa data do clã Bolsonaro</b>
Ex-delegado da Polícia Federal, Ramagem estava à frente da Abin durante o uso da ferramenta. O ex-diretor da Abin ganhou a confiança do clã da Zona Oeste do Rio de Janeiro antes mesmo da eleição de 2018.
Foi designado para cuidar da segurança do então presidenciável após o atentado à faca em Juiz de Fora, em 6 de setembro de 2018. E teve ascensão rápida no novo governo. Chegou a ser nomeado superintendente da Polícia Federal (PF) no Ceará, em fevereiro de 2019, mas foi deslocado para um cargo de assessor especial do então ministro da Secretaria de Governo, general Santos Cruz. Em julho, foi para a Abin. Bolsonaro quis nomeá-lo diretor-geral da PF. O presidente queria ter, segundo o então ex-ministro Sérgio Moro, alguém com quem pudesse "interagir" e que lhe fornecesse relatórios de inteligência.
Ainda na gestão de Ramagem, a agência de inteligência teria atrapalhado investigações envolvendo Jair Renan Bolsonaro, filho "04" de Bolsonaro. Um agente da PF admitiu que recebeu a orientação de "levantar informações sobre uma operação que tinha Jair Renan como alvo para prevenir riscos à imagem de Bolsonaro". À época, a PF afirmou em um relatório que Abin teve um papel de "interferência nas investigações".