Não é difícil encontrar um paralelo entre as aldeias e a luta dos povos indígenas pela própria sobrevivência com a vida na periferia de São Paulo, suas quebradas e o movimento negro. Em algum ponto, essas duas realidades se encontram. E esse encontro pode dar-se por meio da arte, mais especificamente do rap.
Para contar a história do rap indígena no Brasil é preciso começar pelo Brô MC s – que estão confirmados como atração no próximo Rock in Rio (Palco Sunset), em setembro.
Os pioneiros do gênero são quatro jovens das etnias guarani-caiová, mais especificamente das aldeias Bororó e Jaguapiru, em Mato Grosso do Sul. Formado por Clemerson Batista, Kelvin Mbaretê, Charlie Peixoto e Bruno Veron, o grupo nasceu oficialmente em 2009.
"Lá pelo ano 2000, não tinha quase nada de tecnologia na aldeia. Mas, nos finais de semana, ouvíamos, em um radinho de pilha, um programa chamado Ritmos na Batida, com o melhor do rap nacional e internacional", lembrou Bruno Veron. A partir daquilo que ouviam no rádio, a turma de amigos entendeu que "aquilo que diziam sobre a quebrada tinha muito a ver com as aldeias".
"O problema é que naquela época ninguém falava por nós ou pela comunidade indígena. Comecei a escrever para desmentir as coisas ruins que falavam dos indígenas", disse Veron. As letras do Brô MC s são cantadas em português e em guarani-caiová.
Depois de uma série de apresentações em escolas e na aldeia, o grupo foi ganhando força e a notícia sobre o rap que produziam se espalhou. Com quase 13 anos de carreira, já lançaram álbuns, vídeos e se consolidaram para viver o próximo passo. O Brô MC s foi convidado pelo cantor Xamã para se apresentar no Rock in Rio 2022 em um show programado para 3 de setembro. "Acho que abrimos portas para uma gurizada que está chegando ao rap indígena. A gente tem se apoiado e levado a realidade do nosso povo para vários lugares", contou Kelvin Mbaretê.
A influência do Brô MC s atingiu em cheio outros jovens indígenas. Na aldeia Krukutu, na região de Parelheiros, Owerá (que no início da carreira se identificava como Kunumi MC) sentiu a força do rap que falava da sua realidade: "Aprendi a ler e a escrever cedo. Eu ouvi o rap em guarani do Brô MC s e me identifiquei. Também quis começar a escrever contra o preconceito que o povo indígena sofre".
Aos 13 anos, Owerá chegou a fazer barulho e ganhar alguma repercussão internacional quando, na abertura da Copa do Mundo de 2014, minutos antes de Brasil e Croácia começarem o jogo, ele abriu uma faixa escrita Demarcação Já em pleno gramado. Owerá foi uma das crianças indígenas convidadas para participar do evento de abertura.
<b>Resistência</b>
"Eu faço meu rap em guarani. E dedico o meu trabalho ao meu povo. Acredito que cada um (artista de rap indígena) tem de levar a mensagem do seu povo, sua aldeia e da sua cultura", explicou Owerá. "Nossa música é a nossa resistência. Nossa resistência é a nossa língua. É a nossa forma de pensar", completou.
Outro artista influenciado pelo Brô MC s e, mais recentemente por Racionais MC s e Sabotage, é Oz Guarani, nascido nas aldeias de Tekoa Pyau e Tekoa Ytu, no Jaraguá. "Muitas coisas acontecem nas aldeias. O rap é uma forma de levar informação do nosso povo para dentro da comunidade. Com a música, podemos trazer melhorias para o nosso povo", comentou Djeguaka Xondaro, também conhecido como Jefferson.
Oz Guarani já foi um trio. Hoje, é um trabalho solo de Xondaro. "Canto pela união, pela paz e pela garantia do nosso pedacinho de terra. Quando tinha 3 ou 4 anos, a minha terra tinha mata nascente. Eu brincava, eu nadava… Hoje, as nascentes viraram esgoto e as árvores frutíferas foram quase todas cortadas", lamentou.
O chamado rap indígena tem outros nomes surgindo com relevância no cenário. Além dos citados aqui, Katu, Brisa Flow, Kaê Guajajara, Wera MC e muitos outros completam esse movimento que mistura o rap com a cultura nativa.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>