O primeiro trimestre trouxe um gosto amargo para quem apostou na apreciação do real. Após fechar 2023 com queda de 8,08%, na casa de R$ 4,85, o dólar encerrou os três primeiros meses de 2024 com ganhos de 3,34% e acima dos R$ 5,00. Uma ala do mercado vê espaço para uma recuperação da moeda brasileira nos próximos meses, mas não se vislumbra a possibilidade de um dólar na casa de R$ 4,70 ou muito menos ao redor de R$ 4,50, como chegou a ser cogitado no fim do ano passado.
Apesar dos ruídos políticos locais, o grande indutor da alta do dólar foi a mudança das expectativas em torno da política monetária americana. E são justamente as apostas tanto para o primeiro corte de taxa de juros pelo Federal Reserve quanto para o alívio monetário total nos EUA neste ano que terão papel preponderante no comportamento do real.
A economista-chefe da Armor Capital, Andrea Damico, lembra que em dezembro reinava a expectativa de que o BC americano começaria a cortar os juros em março, com redução total de cerca de 150 pontos-base ao longo de 2024. Indicadores de atividade e de inflação acima do esperado nos EUA, somados a falas mais conservadoras de dirigentes do Fed, levaram investidores a passar a prever corte inicial em junho e redução total de 75 pontos-base.
"A expectativa era grande de apreciação do real no primeiro trimestre, sazonalmente mais favorável para a moeda. Além de o Fed poder cortar em março, o mercado contava com fluxo mais forte", afirma Damico, ressaltando que, apesar do saldo comercial expressivo, o real sofreu com a alta global do dólar e saídas da conta de capital.
De fato, o índice DXY – termômetro do desempenho da moeda americana em relação a seis divisas fortes – encerrou o primeiro trimestre com valorização na casa de 3%. O dólar também avançou na comparação com a maioria das divisas emergentes, com raras exceções, como o peso mexicano.
"A economia americana mostra bom crescimento e tem taxa de juros atrativa, o que leva mais recursos para lá. É uma história de dólar forte no mundo, e não de real mais fraco, apesar dos riscos domésticos", afirma o economista-chefe da Western Asset, Adauto Lima.
"O real deve se recuperar assim que houver mais certeza sobre a trajetória dos juros americanos, com taxa de câmbio caindo para perto de R$ 4,80."
<b>Fluxo</b>
O impacto do fortalecimento global do dólar poderia ter sido mitigado por fatos capazes de atrair recursos ao País. Não foi o que aconteceu. A tentativa do governo Lula de emplacar nomes direção da Vale e a retenção de dividendos extraordinários da Petrobras avivaram temores ingerência do governo em empresas de capital aberto. Houve também receio de uma guinada populista do Planalto após a queda de popularidade de presidente, com eventual desidratação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o principal fiador do compromisso com a responsabilidade fiscal.
Dados da B3 mostram que os investidores estrangeiros retiraram neste ano (até 26 de março), R$ 23,574 bilhões da bolsa brasileira. Segundo o Banco Central, houve saídas líquidas de US$ 6,362 bilhões pelo canal financeiro até 22 de março. O fluxo total no período ainda foi positivo em US$ 5,335 bilhões graças à entrada líquida de US$ 11,697 bilhões via comércio exterior.
"A sazonalidade indica um primeiro trimestre de fluxo positivo para a bolsa, mas houve saída de recursos. E isso atrapalhou o desempenho do real", afirma Damico, da Armor. "Embora a percepção seja de que Haddad ainda esteja forte, o conjunto de mensagens do governo piorou."
Damico não vê alteração relevante da taxa de câmbio no curto prazo, mas acredita possibilidade de o real se recuperar ao longo do segundo semestre com o enfraquecimento do DXY, encerrando 2024 entre R$ 4,80 e R$ 4,90. Isso depende, sobretudo, de uma desaceleração dos indicadores de atividade e inflação nos Estados Unidos que dê confiança suficiente para o Fed começar a reduzir os juros em junho.
Para o economista-chefe do Banco BV, Roberto Padovani, o melhor momento para o real já passou e, na cotação atual, a moeda brasileira já está sobrevalorizada. Em um modelo que considera as três principais variáveis para formação da taxa de câmbio – diferencial de juros, preço de commodities e percepção de risco -, o dólar deveria estar em R$ 5,30.
"Não acho que o dólar vai para R$ 5,30. O modelo diz mais sobre a tendência do que sobre o nível. Mas os fundamentos sugerem um dólar para cima no Brasil", diz Padovani, acrescentando que, mesmo com todo o otimismo do ano passado, o dólar ficou pouco tempo na casa de R$ 4,70.
O economista ressalta que historicamente o diferencial de juros é a variável mais relevante para o nível da taxa de câmbio – e que, a combinação dos movimentos do Fed e do Banco Central não será, diferentemente do esperado pelo mercado, favorável ao real daqui para a frente.
Padovani afirma que o BC ficou atrasado no processo de redução dos juros e vê espaço a taxa básica descer até 9% neste ano, enquanto a curva de juros doméstica embute perspectiva de Selic ao redor de 9,75%. Já o Fed deve ser bem conservador, optando por corte de 0,25 ponto em junho, seguido por mais duas reduções de igual magnitude neste ano. "Os juros devem continuar caindo aqui, enquanto lá foram começam a cair em ritmo menor, o que aponta para um dólar mais pressionado", diz.