Por causa da recessão e das despesas associadas ao enfrentamento da pandemia de covid-19, tanto na saúde quanto na manutenção de renda, a dívida bruta do governo geral fechará 2020 em 93,7% do Produto Interno Bruto (PIB) ante os 75,8% do fechamento de 2019, estima o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Em sessão sobre a "visão geral da conjuntura", publicada na Carta de Conjuntura do Ipea, os pesquisadores defendem a retomada da agenda de reformas em prol da consolidação fiscal após o controle da pandemia e alertam para o achatamento do espaço para gastos de custeio e investimentos.
Mesmo com a manutenção do teto de gastos e com a percepção, por parte dos agentes econômicos, do compromisso do governo com a disciplina fiscal, a dívida bruta teria seu crescimento estabilizado, em termos de proporção do PIB, num patamar elevado. Nas projeções do Ipea, a dívida chegaria a 104,1% do PIB em 2036.
A elevação da dívida em 2020 se dará com um déficit primário (saldo entre despesas e receitas, sem considerar os gastos com juros da dívida) de cerca de 10% do PIB, ante o déficit de 1,3% registrado em 2019.
O aprofundamento do rombo nas contas públicas virá tanto por meio do aumento de gastos – nas contas do Ipea, o governo gastará R$ 404,2 bilhões com medidas emergências contra a pandemia, mas o valor poderá ficar R$ 100 bilhões maior, com a prorrogação das medidas por dois ou três meses – quanto por meio da queda nas receitas. A retração de 6,0% do PIB em 2020, como projetada pelo Ipea, deverá subtrair R$ 120 bilhões da arrecadação inicialmente prevista no Orçamento da União.
Para os pesquisadores do Ipea, a retirada dos gastos emergenciais não bastará para melhorar o quadro fiscal. No mundo pós-pandemia, o País estará com a dívida mais elevada e com arrecadação menor, tendo em vista a fraqueza da atividade econômica. Assim, "o esforço fiscal que vinha sendo realizado" até a economia nacional ser atingida em cheio pela covid-19 terá que ser "reforçado, visando reafirmar o compromisso com o equilíbrio das contas públicas e com uma trajetória sustentável para a dívida pública".
Um dos motivos para retomar o trabalho de equilíbrio das contas públicas, com novas reformas, é o achatamento do "espaço fiscal" – definido pelos pesquisadores como "a diferença entre o teto e o total das despesas obrigatórias (sujeitas ao teto)" de cada ano – nos próximos anos. A equipe do Ipea fez essas contas até 2023, quando o valor projetado para o "espaço fiscal" será 36% menor do que o total das despesas discricionárias previstas para 2020. Ou seja, para cumprir o teto de gastos em 2023, o governo precisará cortar os gastos com custeio e investimentos nessa magnitude.
Nas contas do Ipea, o "espaço fiscal" cai pouco em 2021, para R$ 111,4 bilhões, ante a previsão de despesas discricionárias de R$ 114,4 bilhões este ano. Em 2022, o "espaço fiscal" cairia para R$ 93,6 bilhões e, em 2023, chegaria a R$ 73 bilhões, sempre em valores reais.
"Isso implica dificuldades cada vez maiores para a execução de despesas relativas a custeio e investimento, colocando em risco o funcionamento da máquina pública e a continuidade de diversas políticas sociais, e reforça a necessidade de novas medidas voltadas para a contenção das despesas obrigatórias", diz um trecho do texto publicado nesta terça-feira, 30.
Os pesquisadores do Ipea alertam ainda para "fontes de risco", no lado das despesas, que podem reduzir ainda mais o "espaço fiscal". Os destaques são a extensão da desoneração de contribuição patronal para a Previdência para setores específicos, a possível ampliação dos gastos com o Benefício de Prestação Continuada (BPC) associada à mudança nas regras de elegibilidade e a manutenção de algum programa de renda mínima nos moldes do auxílio emergencial por mais tempo ou em caráter permanente.
Assumir mais esses gastos, sem cortes equivalentes em outras despesas, poderia levar o valor reservado para o custeio da máquina pública e os investimentos públicos a níveis "insustentáveis". Já o abandono do compromisso do governo com o equilíbrio das contas públicas e a sustentabilidade da dívida poderia levar a uma nova crise fiscal.
"Na ausência de medidas efetivas que disciplinem o crescimento dos gastos públicos, a possível percepção de insustentabilidade da dívida pública poderia gerar um ciclo vicioso, no qual aumentos da taxa de juros, do déficit nominal e da dívida se reforçariam mutuamente, tornando cada vez mais difícil o ajuste das contas públicas e conduzindo a economia a um equilíbrio instável de baixo crescimento", diz o texto dos pesquisadores do Ipea.