Estadão

Reformista e negociador nuclear da linha-dura devem disputar segundo turno da eleição no Irã

A apuração das eleições no Irã indica a realização de um segundo turno entre o reformista Masoud Pezeshkian e o ultraconservador Saeed Jalili, ex-negociador do programa nuclear. A participação eleitorral foi a maior da história. Pelo menos 60% dos eleitores não foram votar.

Pezeshkian obteve 42,4% dos votos, enquanto Jalili recebeu 38,3%. O presidente do Parlamento, Mohammad Bagher Qalibaf, obteve 13%, enquanto o clérigo xiita Mostafa Pourmohammadi obteve pouco menos de 1%.

Com Jalili agora sozinho, a campanha de Pezeshkian precisaria atrair os eleitores para o segundo turno de 5 de julho. Grande parte dos eleitores que não foram votar são da base do reformista. O Irã enfrenta dificuldades econômicas e protestos contra a repressão da polícia da moral.

"Vamos encarar isto como um protesto por direito próprio, uma escolha muito generalizada de rejeitar o que está em oferta – tanto os candidatos como o sistema", disse Sanam Vakil, diretor do programa da Chatham House para o Oriente Médio e o Norte da África. "Isso nos diz muito sobre a opinião pública e a apatia, a frustração. Isso meio que reúne tudo."

A lei iraniana exige que o vencedor obtenha mais de 50% de todos os votos. Caso contrário, os dois primeiros candidatos da corrida avançam para um segundo turno uma semana depois. Houve apenas mais um segundo turno de eleições presidenciais na história do Irã: em 2005, quando o linha-dura Mahmoud Ahmadinejad derrotou o ex-presidente Akbar Hashemi Rafsanjani.

Como tem acontecido desde a Revolução Islâmica de 1979, as mulheres e aqueles que apelam a mudanças radicais foram impedidos de concorrer, enquanto a votação em si não será supervisionada por monitores reconhecidos internacionalmente.

Houve sinais de um desencanto mais amplo do público com a votação. Mais de 1 milhão de votos foram anulados, de acordo com os resultados, normalmente um sinal de que as pessoas se sentem obrigadas a votar, mas não querem selecionar nenhum dos candidatos.

A participação geral foi de 39,9%, de acordo com os resultados. As eleições presidenciais de 2021 que elegeram Ebrahim Raisi tiveram uma participação de 48,8%, enquanto as eleições parlamentares de março tiveram uma participação de 40,6%.

Houve apelos para um boicote, inclusive da ganhadora do Prêmio Nobel da Paz, Narges Mohammadi. Mir Hossein Mousavi, um dos líderes dos protestos do Movimento Verde de 2009 e que continua em prisão domiciliar, também se recusou a votar juntamente com a sua esposa, disse a sua filha.

Também houve críticas de que Pezeshkian representa apenas mais um candidato aprovado pelo governo. Em um documentário sobre o candidato reformista transmitido pela televisão estatal, uma mulher disse que a sua geração estava "avançando para o mesmo nível" de animosidade com o governo que a geração de Pezeshkian teve na revolução de 1979.

Jalili, outrora descrito pelo diretor da CIA, Bill Burns, como "estupefatamente opaco" em negociações, provavelmente teria vencido se os três ultraconservadores não tivessem dividido a votação de sexta-feira. Jalili é conhecido como o "Mártir Vivo" depois de ter perdido uma perna na guerra Irã-Iraque na década de 1980 e é famoso entre os diplomatas ocidentais pelos seus sermões e pelas suas posições ultraconservadoras.

Agora a questão é se Pezeshkian conseguirá atrair eleitores para a sua campanha. No dia das eleições, ele fez comentários sobre relações com o Ocidente depois da votação, aparentemente tentando angariar participação para a sua campanha – mesmo depois de ter sido alvo de uma advertência velada do líder supremo, Aiatolá Ali Khamenei.

"Pezeshkian tem sido um candidato geralmente desanimador", disse a consultoria geopolítica Eurasia Group em uma análise antes da votação de sexta-feira. "Se ele se qualificar para um segundo turno, sua posição enfraqueceria à medida que o bloco eleitoral conservador se unisse em torno de um único candidato."

Ebrahim Raisi, 63 anos, morreu no acidente de helicóptero de 19 de maio, que também matou o ministro das Relações Exteriores do país e outras pessoas. Ele era visto como um protegido de Khamenei e um potencial sucessor. Ainda assim, muitos o conheciam pelo seu envolvimento nas execuções em massa que o Irã conduziu em 1988, e pelo seu papel nas sangrentas repressões à dissidência que se seguiram aos protestos pela morte de Mahsa Amini, uma jovem detida pela polícia por supostamente usar de forma imprópria o lenço de cabeça obrigatório, ou hijab.

Na sexta-feira, houve apenas um ataque reportado durante a eleição. Homens armados abriram fogo contra uma van que transportava urnas eleitorais na agitada província de Sistão e Baluchistão, no sudeste, matando dois policiais e ferindo outros, informou a agência de notícias estatal IRNA. A província vê regularmente violência entre as forças de segurança e o grupo militante Jaish al-Adl, bem como entre traficantes de drogas.

O segundo turno das eleições ocorre em um momento em que tensões mais amplas tomam conta do Oriente Médio devido à guerra entre Israel e o Hamas na Faixa de Gaza. Em abril, o Irã lançou o seu primeiro ataque direto a Israel. Os grupos de milícias que Teerã arma na região – como o Hezbollah libanês e os rebeldes Houthi do Iêmen – estão envolvidos nos combates e intensificaram os seus ataques.

Enquanto isso, a República Islâmica continua a enriquecer urânio próximo de níveis de armamento e mantém um arsenal suficientemente grande para construir – caso decida – várias armas nucleares.
Sanam Vakil, diretor do programa da Chatham House para o Oriente Médio e o Norte da África, diz que "vai depender se o público em geral, os 60% que ficaram em casa, sairão e se protegerão dessas visões ultraconservadoras" de Jalili. "É sobre isso que será a próxima sexta-feira."

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