Como inúmeros moradores da capital paulista, a atriz Regina Braga terminou maravilhada a leitura de A Capital da Solidão (Objetiva), obra em que Roberto Pompeu de Toledo traça um minucioso (e acarinhado) perfil histórico de São Paulo. Era 2003 e Regina decidiu visitar pontos da cidade revelados pelo livro que guardavam fatos pouco conhecidos – como a forca destinada à execução sumária de criminosos e escravos, no bairro da Liberdade, entre os séculos 17 e 19.
"Minha relação com a cidade mudou e passou a ser mais próxima, afetuosa, buscando entender os locais descritos no livro", conta a atriz, que começou, então, a tomar notas. Os anos foram passando, as anotações ganharam consistência até que Regina percebeu ter ali um bom material para uma peça de teatro. "Eram citações curiosas e fatos históricos que coincidiam com a minha trajetória na cidade", conta a atriz, que chegou a São Paulo (vinda de Belo Horizonte) aos 18 anos. "E fui ficando."
Organizado, o material inspirou a peça São Paulo, que estreia nesta sexta, 28, no Teatro Unimed. Ainda como evento festivo ao aniversário da cidade, o espetáculo traz uma agradável costura de textos de autores diversos, interpretados por Regina, que também canta músicas executadas por um grupo que a acompanha no palco, formado por Xeina Barros, Alfredo Castro, Vitor Casagrande e Gustavo de Medeiros, que reveza com Guilherme Girardi.
A música se torna também um elemento condutor do espetáculo, tanto ao complementar os textos interpretados por Regina como servindo como contraponto à sua atuação. Com um vastíssimo material de pesquisa em mãos, tanto em histórias como em canções, Regina e a diretora Isabel Teixeira montaram um roteiro que fosse, ao mesmo tempo, abrangente e interessante. "Em um mês, organizamos um texto que foi apresentado e avaliado em diversas leituras", conta Regina, enumerando os eventos realizados na Casa de Mário de Andrade, na Biblioteca Mário de Andrade, na Casa das Rosas e em oito exibições no YouTube.
<b>Pacata</b>
O espetáculo, portanto, traça os pontos mais importantes da história de São Paulo por meio de figuras que presenciaram seu modesto nascimento como uma cidade pacata, que só assumiu vocação de metrópole a partir o final do século 19, quando a exportação do café enriqueceu os magnatas quatrocentões, atraiu trabalhadores do mundo todo, especialmente italianos, e expandiu os limites da metrópole em todos os pontos cardeais.
"A evidente paixão de Regina pela cidade é contagiante e conduz o fio narrativo", observa a diretora Isabel Teixeira, que optou por um cenário em que predomina uma mesa. Ali, estão colocados livros e revistas com indicações históricas da cidade que serviram de consulta para a atriz em sua pesquisa. Acolhedora, a mesa recebe também os músicos cuja disposição faz lembrar uma roda de samba.
<b>Castro Alves</b>
Logo no início, Regina apresenta histórias com a cidade como protagonista. São relatos curiosos como o do Padre José de Anchieta, que subiu a pé a Serra do Mar, as missões dos bandeirantes e também a chegada de um jovem baiano, Castro Alves, vindo para estudar na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, até chegar ao grande salto desenvolvimentista no final do século 19. Momento em que a cidade começa a se modernizar.
"Muitos fatos interessantes acabaram ficando de fora, pois não se encaixavam no fio condutor que eu e Isabel organizamos", conta a atriz que, quando a narrativa chega aos anos 1960, surpreende de forma gratificante o espectador ao compartilhar sua história pessoal em meio ao fervilhante meio artístico que se espalhava pela cidade. "Quando cheguei a São Paulo, eu me hospedei em uma pensão comandada pela mãe da futura atriz e diretora Myriam Muniz, na Avenida Angélica. E, no quarto ao lado, estavam as jovens atrizes Isabel Ribeiro e Dina Sfat", conta ela.
A partir daí, lugares marcantes como o Teatro de Arena, a Escola de Arte Dramática, a cantina Gigetto tomam conta da narrativa, que ainda traz momentos delicados como a visão do ator Raul Cortez cabisbaixo, tal qual James Dean em Vidas Amargas. São Paulo surge ainda nos bem-te-vis, tico-ticos, sanhaços e sabiás que insistem viver em meio ao barulho e à poluição (lembrança do marido de Regina, o médico Drauzio Varella), além dos rios hoje canalizados e das árvores que embelezam a metrópole.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>