Na transição dos governos, apoiadores de Luiz Inácio Lula da Silva entoavam o bordão "sem anistia", clamando pela punição de Jair Bolsonaro (PL) por eventuais crimes cometidos ao longo da sua gestão. Hoje, porém, é a Justiça Eleitoral que está mais perto de tirar o ex-presidente do cenário político institucional, através do julgamento de uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) que continua nesta terça-feira, 27. O desfecho dela pode tornar Bolsonaro inelegível.
Na quinta-feira passada, dia 22, aconteceu a primeira parte do julgamento. O relator, ministro Benedito Gonçalves, leu o relatório e os advogados de acusação e defesa fizeram suas sustentações orais. Paulo Gustavo Gonet, vice-procurador-geral Eleitoral, também manifestou seu parecer e pediu a inelegibilidade do ex-presidente. Gonçalves será o primeiro a votar na sessão, a partir das 19h.
A inelegibilidade é o nome dado à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de oito anos e é a sanção máxima do âmbito da Justiça Eleitoral. Neste momento, Bolsonaro responde a 21 AIJEs no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas a que está na pauta foi proposta pelo PDT três dias depois do começo da campanha de 2022.
O motivo dessa ação é o discurso que Bolsonaro fez durante uma reunião com cerca de 70 embaixadores no dia 18 de julho de 2022. Na ocasião, o então presidente apresentou slides em inglês com erros de grafia e disse que o sistema eleitoral brasileiro é falho. "Eu sou acusado o tempo todo de querer dar o golpe, mas estou questionando antes porque temos tempo ainda de resolver esse problema", disse o presidente.
O vídeo foi retirado do ar – tanto dos canais oficiais quanto dos de Bolsonaro – por ordem da Justiça Eleitoral. O ex-presidente também disse que hackers ficaram oito meses dentro do TSE, quando teriam acessado a senha de um dos ministros da Corte, e afirmou que as eleições do Brasil contam com um sistema "completamente vulnerável".
O ataque às urnas foi um dos motes de Bolsonaro durante a campanha. Por isso, o discurso do dia 18 de julho foi interpretado pelos seus opositores como um gesto de antecipação de propaganda eleitoral. Essa questão foi tratada no bojo de quatro representações eleitorais analisadas conjuntamente, sob relatoria de Alexandre de Moraes. Bolsonaro foi condenado a pagar uma multa de R$ 20 mil pelo que a Justiça entendeu ser propaganda antecipada.
Paralelo a isso, na AIJE proposta pelo PDT e que vai a plenário, o objetivo do processo é um horizonte mais distante: investigar se, na situação, houve abuso de poder político, econômico ou no uso dos meios de comunicação.
O PDT acusa Bolsonaro de ter usado estruturas de governo – a posição de presidente, a prerrogativa de discursar a diplomatas do mundo todo, a transmissão do seu discurso por meio de canais de imprensa oficial – para reverberar esse discurso, interpretado um ato típico de campanha. Nisso estariam, segundo o PDT, o abuso de poder político e dos meios de comunicação – pois, se Bolsonaro não fosse presidente, não teria condições de dar a mesma repercussão ao seu discurso.
<b>Para PGR, não há crime</b>
A mesma circunstância que vai ser analisada pelo TSE foi alvo de um pedido de investigação direcionado ao Supremo Tribunal Federal (STF), feito por um grupo de partidos – PT, PSOL, PV, PSB e PDT. Em março deste ano, a Procuradoria-Geral da República pediu o arquivamento dos autos, por entender não visualizar indício de crime. A manifestação ainda não foi analisada por Luiz Fux, que é relator do caso.
<b>Na mira da Polícia Federal</b>
Bolsonaro acumula investigações na Polícia Federal por atos cometidos durante a sua campanha. O caso das joias que ganhou de presente do governo da Arábia Saudita, a suposta fraude no seu cartão de vacinação, o 8 de Janeiro e a troca no comando da Polícia Federal são algumas das investigações que pairam sobre o ex-presidente.
Como é de praxe nos inquéritos judiciais, há sempre uma autoridade do Poder Judiciário acompanhando a investigação e autorizando diligências, como a condução coercitiva e a busca e apreensão. No caso de Bolsonaro, seis inquéritos são acompanhados pelo Supremo Tribunal federal, todos sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes.
Se essas investigações apontarem para a prática de crimes, o Ministério Público ofertará uma denúncia, petição que dá início ao processo penal. A partir desse gesto, Bolsonaro terá direito a todas as etapas da ampla defesa e do contraditório, bem como a recorrer até as últimas instâncias. Apenas com uma condenação criminal transitada em julgado (sem possibilidade de recurso) ele perde os direitos políticos.
<b>O que mais pesa contra Bolsonaro na Justiça</b>
Um levantamento feito pelo <b>Estadão</b> em maio mostrou que Bolsonaro é réu em apenas dois processos criminais, relacionados ao episódio no qual disse que a deputada Maria do Rosário (PT-RS) não "merecia" ser estuprada.
Na Justiça Federal do Distrito Federal ele responde a uma ação de improbidade administrativa, pelo caso da "Wal do Açaí", suposta funcionária fantasma de seu gabinete. Também há uma ação civil pública na Justiça Estadual do DF, na qual Bolsonaro é acusado de usar imagens de menores de idade em propaganda eleitoral.