Recontar, reimaginar uma história que já existe, adaptando-a aos tempos atuais. A releitura de A Sílfide, espetáculo apresentado pela Orquestra Jovem Municipal de Guarulhos e a Hélio Lima Companhia neste domingo (16) no Teatro Adamastor, manteve-se fiel às estruturas clássicas no que diz respeito ao desenvolvimento das coreografias, mas foi além ao problematizar a atuação da mulher na sociedade moderna.
“A concretização desse espetáculo é de grande importância para a Orquestra Jovem e para a companhia de dança do professor Hélio por vários motivos, sobretudo pela presença de artistas negros no elenco e na equipe técnica”, comemorou o secretário de Cultura, Professor Jesus. Além do regente Kevin Camargo e do corpo artístico da Hélio Lima Companhia, o espetáculo contou ainda com intensa atuação de artistas guarulhenses: Pretah Thaís na produção, iluminação de Felipe Galvino, cenografia de Ailton Diller e figurinos de Karine Barbosa.
Com coreografia do professor e bailarino Hélio Lima, responsável pela releitura contemporânea de A Sílfide, o espetáculo contou com adaptação musical dos compositores Alexandre Daloia e Jackson Frank.
Um balé icônico
A Sílfide tem grande relevância para o universo da dança porque marca o nascimento do período romântico de forma exacerbada. Com mais de 190 anos, esse foi o primeiro balé apresentado em um teatro. Além da sapatilha de ponta usada pelos bailarinos, a obra traz ainda o tutu romântico, que se tornou símbolo da bailarina clássica. Mais que o uso dessas marcas de um período, o lirismo, o romantismo, o apreço do homem pelo lugar do sobrenatural e a busca idealizada pela mulher perfeita marcaram sobremaneira A Sílfide e serviram como base para a montagem de outros balés clássicos, como Gisele e La Bayadère, entre outros.
Experiência única
Sobre a importância de realizar esse balé com a Orquestra Jovem, Hélio Lima enfatiza tratar-se de uma experiência única. “Como coreógrafo e diretor, acredito que essa combinação é extremamente importante, pois nos permitiu construir juntos e reimaginar o balé com o maestro Emiliano Patarra, o regente e os compositores responsáveis pela adaptação musical. É bastante relevante mostrar que a cidade de Guarulhos tem o poder de montar algo forte, poderoso e monumental, tanto por seu figurino, cenografia e iluminação quanto pela competência e qualidade do corpo artístico”, endossa o diretor.
Hélio Lima explica que a ideia de fazer uma montagem de A Sílfide próxima da realidade da sociedade, desse ambiente moderno no qual homens e mulheres estão inseridos, faz com que as pessoas se aproximem da história e de sua beleza.
Na nova montagem o público esteve diante de pessoas reais, mulheres em condições de trabalho cotidiano. Na história original a Sílfide é um ser etéreo que cuida de uma floresta, dos animais, das árvores e da terra. Nesta adaptação a personagem é mãe, cuida da casa e das crianças, da terra que ela tem que arar. O texto fala da mulher que sai de casa na madrugada para trabalhar a fim de alimentar seus filhos, da mulher que é abandonada pelo marido e está sempre correndo contra o tempo para poder dar conta. A Sílfide clássica e a moderna são essas mesmas mulheres, uma pensada de forma romântica; outra, de forma contemporânea.
Entre Sílfides e Marias
Quando começou a idealizar essa Sílfide moderna, Hélio contou com a ajuda do dramaturgo Alcides Vieira. Eles partiram da ideia de mulher romântica, considerando que o romantismo é pura tragédia e ninguém melhor do que a mulher para retratar esse espectro. “A partir de um poema escrito por Alcides, chamado As Marias, comecei a pensar na Sílfide que fossem essas mulheres, as Marias, que vivem histórias trágicas. Então pedi às bailarinas da companhia que representassem com o corpo suas próprias histórias e a de mulheres como suas mães, tias e avós”, explica.
O coreógrafo conta que foi assim que surgiu a coreografia, a partir de movimentos como o ato de costurar, carpir, cozinhar, além de uma série de instrumentos que fazem parte dessa labuta diária como rastelos e vassouras. Tudo isso dá a dimensão da essência do balé original, em que diversas meninas dançam juntas e, assim, protegem-se umas às outras.
Nessa construção a participação das mulheres foi essencial para a afirmação de questões pelas quais somente elas passam, tornando ainda mais real a releitura. “Apesar da luta feminina, homens também estão lutando para alcançar esse lugar de respeito, por isso os bailarinos também fazem parte do segundo ato para mostrar que homens e mulheres trabalham juntos e lutam para vencer a pobreza. Nesse sentido, o segundo ato quebra a nobreza, a pompa e o poder do primeiro, pois traz pessoas reais, abaixo da linha dessa nobreza e em situação de pobreza, lutando e trabalhando para sobreviver”, comenta Hélio.
A expectativa dele é de que a reconstrução desse balé tradicional torne o espetáculo objeto de reflexão e debates, para que seja possível criar diálogos e encontrar respostas para questionamentos acerca dos problemas enfrentados no cotidiano.
Iniciativa da Secretaria de Cultura, o espetáculo ficará disponível no canal do YouTube (https://www.youtube.com/channel/UCS9r_T3pJEr2wnZreRGSo1g) das orquestras de Guarulhos.