"É uma sensação de liberdade profissional pois agora, além da Globo, terei outras opções de trabalho", disse Renato Aragão ao Estadão, na manhã desta terça, 30, sobre seu desligamento com a emissora carioca depois de 44 anos de contrato ininterrupto. O mais recente venceu no dia 30 de junho e, como já fez com outros artistas (Miguel Falabella, Aguinaldo Silva, Vera Fischer, entre outros), a Globo não deu continuidade, preferindo contratos para trabalhos específicos.
"A vida é surpreendente, pois agora tenho um campo aberto", conta Aragão, criador do personagem Didi Mocó e do grupo Os Trapalhões. "Uma das vantagens será a possibilidade de exibir meus filmes em outros meios – não fazia isso por respeito à Globo." Ele também conta que já negocia novas oportunidades de trabalho, tanto com a própria emissora como com outras empresas, embora ainda possa revelar. "Renato é amigo da Globo, mas era inevitável que isso acontecesse em vista da situação do momento", completou Lilian Aragão, companheira na vida e na arte do comediante.
A medição de que seu sucesso com o público continua intacto pode ser medido pelas respostas nas redes sociais. No Instagram, por exemplo, Aragão, aos 85 anos, alcançou três milhões e meio de seguidores. E foi lá que anunciou oficialmente sua saída da Globo: "São 44 anos de estrada e me vejo diante de uma mudança! São novos tempos, novos parceiros, novos projetos e novos desafios. Minha grande parceira durante esses anos foi a Rede Globo, que me acostumei a chamar de minha casa. Mas diante a novos tempos e políticas internas de contratação, vamos iniciar uma nova fase e trabalhos pontuais", escreveu.
Sua carreira traz números respeitáveis – afinal, foram 50 filmes gravados e programas humorísticos apresentados por diversas emissoras por, pelo menos, cinco décadas, arrebanhando uma audiência com mais de 138 milhões de espectadores. À frente do quarteto Os Trapalhões, Aragão apresentava semanalmente um humor que delineava as várias faces do Brasil a partir de seus participantes. "Éramos um nordestino sofrido (Didi), um galã de periferia (Dedé), um malandro do morro (Mussum) e um mineiro atrapalhado (Zacarias), ou seja, a cara do País", comentou ele ao Estadão, em 2017, quando do lançamento de Renato Aragão – Do Ceará para o Coração do Brasil (Estação Brasil), biografia que ele assina ao lado do jornalista Rodrigo Fonseca.
Nascido em Sobral, no Ceará, ele prometia seguir outra carreira no início dos anos 1960: já morando em Fortaleza, Aragão trabalhava no Banco do Nordeste e terminava o curso de Direito. O futuro advogado, no entanto, era fanático pelas comédias de Oscarito, um dos maiores humoristas que o Brasil já teve. Empregado como roteirista da TV Ceará, Aragão começou a escrever para outros artistas, mas logo seus textos chaplinianos e seu humor físico o levaram para diante das câmeras. Era o nascimento de Didi que, mais que um personagem, tornou-se a persona extrovertida do sempre tímido Renato Aragão.
Sua estreia ocorreu a 30 de setembro de 1960, no programa Vídeo Alegre. "Eu precisava de um pseudônimo bem simples e sonoro, como era Oscarito, e pintou essa ideia, do nada, como muito das minhas invenções", conta ele no livro. De fato, essa se consolidou como a principal forma de trabalho de Aragão ao longo de sua carreira, uma mistura de trabalho árduo com intuição. Foi por esse caminho que surgiram expressões que se tornaram clássicas como "psit" e "ô da poltrona" para se comunicar diretamente com o telespectador, quebrando a parede imaginária criada pela TV entre os artistas e o público.
Ao ser convidado para se transferir para a TV Tupi do Rio de Janeiro (seu sucesso extrapolou as fronteiras regionais), em 1964, ele primeiro garantiu a manutenção do emprego no Banco do Nordeste, agora na capital fluminense. Da Tupi, veio para a Excelsior, em São Paulo, dois anos depois, onde participou do programa Adoráveis Trapalhões, embrião do que seria seu principal sucesso. Passou ainda pela Record e pela Tupi paulistana, onde viveu uma situação surreal: apesar de garantir audiência para a emissora, não recebia salário. O que facilitou aceitar o convite da Globo, incomodada com aquele humorista e seus três parceiros (já eram Dedé, Mussum e Zacarias) que roubavam audiência do Fantástico.
Aragão pediu carta branca de José Bonifácio Sobrinho, o Boni, superintendente da Vênus Platinada, para fazer o seu humor, ou seja, movido a improvisos. "Boni colocou uns espiões no estúdio, mas nunca proibiu nada", divertiu-se o comediante na conversa como Estadão em 2017. Logo, ele protagonizou momentos célebres como as famosas imitações de Roberto Carlos e Ney Matogrosso ("Não ensaiava nada, fazia tudo de primeira"). Os Trapalhões tornou-se um marco na TV.
Do programa humorístico, nasceram diversos filmes nos cinemas como Os Trapalhões na Guerra dos Planetas, de 1978, e Uma Escola Atrapalhada, de 1990. Após a morte de Zacarias e Mussum, o grupo se desfez e Renato Aragão passou a apresentar o programa Turma do Didi, também na TV Globo. O humorista se tornou embaixador do Criança Esperança, projeto de ação social da emissora, em parceria com a Unesco.