Estadão

Renato Borghi retorna após 50 anos ao palco do Teatro Oficina

"Estou velho, frágil, não ando mais como antes, mas é preciso seguir em frente", confessa o ator Renato Borghi. Do alto dos 65 anos de carreira e 86 de vida, ele se sentiu inseguro nos últimos dias por causa da estreia do espetáculo <i>O Que nos Mantém Vivos?</i>, na sexta, 29, no Teatro Oficina – que ele fundou em 1958 com o diretor Zé Celso Martinez Corrêa (1937-2023), quando os dois eram alunos da faculdade de Direito do Largo São Francisco.

Sob a direção de Rogério Tarifa, Borghi retorna ao lar em uma dramaturgia inspirada em textos do alemão Bertolt Brecht (1898-1956) e roteirizada por ele e Elcio Nogueira Seixas, que também está em cena com Débora Duboc, Nath Calan e Cristiano Meirelles. "Volto a um espaço que ajudei a construir e abandonei há 50 anos em uma decisão radical", diz.

No fim de 1972, o ator largou uma apresentação da peça <i>As Três Irmãs</i>, de Anton Chekhov, por não suportar as desavenças com seu companheiro de arte e vida por 14 anos até ali.

"O Zé estava viajando muito na época, pregava uma corrente de que o teatro da palavra estava morto, as dramaturgias não valiam nada e me sentia ofendido porque sou ator de texto."

Foi justamente a Brecht que Borghi recorreu fora do Oficina. Ao lado da atriz Esther Góes, estreou em 1973 um espetáculo emblemático, <i>O Que Mantém o Homem Vivo?</i>, encenado outras duas vezes, em 1982 e 2019. "Em 1973, foi o momento mais violento da história, todo mundo desaparecia, morria. Em 1982, veio um alívio por causa da anistia e, em 2019, as ameaças tomaram conta e se viu o ódio contra os artistas", aponta o ator. "Mudamos a pergunta do título para questionar o que nos faz resistir, que, no meu caso, é o teatro, capaz de me levar a entrar e sair de hospitais pronto para a luta."

Na última década, Borghi passou por imensas superações. Uma operação na coluna em 2014 o fez considerar que jamais pisaria no palco e, no começo de 2022, uma cirurgia cardíaca às pressas impediu que seu coração parasse de pulsar. "Eu me sentia cansado demais e meu cardiologista viu que eu estava com duas veias entupidas", conta.

A trágica morte de Zé Celso, em julho, depois de sofrer queimaduras em um incêndio no seu apartamento, chocou o ex-parceiro, embora ele não deixe de enxergar beleza na despedida. "Foi como se ele encenasse o próprio fim no meio das chamas, como uma fênix."

Apesar das antigas divergências, os dois mantiveram uma amizade, principalmente nos últimos anos, tanto que se reencontraram no palco na remontagem de <i>O Rei da Vela</i>, em 2017. Uma referência ao clássico de Oswald de Andrade, que consagrou o Oficina em 1967 e baseia um dos trechos de<i>O Que nos Mantém Vivos?</i>

No auge da pandemia, Borghi e Zé Celso tomaram juntos todas as doses das vacinas contra o coronavírus, e o último longo encontro se deu em 30 de março de 2022, quando os dois comemoram os seus 85 anos.

"Nós mudamos muito, éramos dois teimosos, fomos suavizados pela idade."
Borghi não se ressente por ser pouco lembrado como o cofundador do Oficina e até considera justo. "Fui embora, sempre fui solto, enquanto o Zé era ligado ao chão, e, com a minha saída, o teatro passou a ser dele mesmo, tocou sozinho."

De volta ao passado, Borghi explica que Pequenos Burgueses (1963) fazia a radiografia das famílias brasileiras temerosas por mudanças, Andorra (1964) alertava para o perigo dos bodes expiatórios na ditadura e Galileu, Galileu (1968) abordava a tortura. "Tanto que fizemos As Três Irmãs, uma dramaturgia clássica, para desviar os olhares dos militares sobre o nosso trabalho", recorda.

<b>SORRISO</b>

Ao pisar no Oficina para os ensaios, Borghi brinca que Zé Celso deve ter mandado uma energia positiva ao colega, mas com um sorriso irônico relativo à certeza de que um dia o filho retornaria à casa de onde saiu batendo porta. Com a intimidade permitida aos amigos, o artista surpreende com opiniões sobre Zé Celso, que define como um excepcional diretor, mas um intérprete tímido.

"Perto de mim, Zé era quase amador, ficava inibido, não se soltava nos personagens. Só ficava à vontade na persona de Zé Celso que criou, convencia qualquer um e todos embarcavam na dele, mas comigo não, eu o desafiava", conclui.

<b>O Que nos Mantém Vivos?
Teatro Oficina. Rua Jaceguai, 520.
6ª e sáb., 20h. Dom., 19h.
R$ 40/R$ 80. Até 29/10.</b>

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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