Representante no Brasil de um torneio que conta com gigantes do futebol mundial como Real Madrid e Barcelona, além de craques como Messi, Albert Castelló tem a visão que o Campeonato Espanhol não concorre em audiência e relevância com outros torneios, mas com produtos de entretenimento à disposição do telespectador, como o Netflix.
Com essa avaliação, apresentada durante esta entrevista ao Estadão, o representante de La Liga destaca que o investimento no produto audiovisual precisa ser realizado para dar a melhor opção possível para que o público desfrute da experiência, não a trocando por outra que esteja à disposição.
A preocupação com a transmissão, aliás, parece ser o principal foco dos organizadores do Campeonato Espanhol, a ponto de a tabela ser organizada para que todos os jogos ocorram em horários diferentes, algo que também é realizado com o foco na internacionalização do torneio, ainda que alguns momentos isso tenha provocado protestos de torcedores locais.
É uma estratégia para buscar novos patrocinadores e receitas para o Campeonato Espanhol, que em 2015 adotou um modelo coletivo de negociação dos contratos de transmissão e tornou a distribuição dos valores menos distante, ainda que com a predominância de Barcelona e Real, mas que não torna a competição desinteressante. Ele, inclusive, dá dicas de como tornar atraente um torneio com poucos candidatos ao título, cenário que pode se tornar uma tendência no Brasil.
Confira as opiniões de Albert Castelló ao Estadão na entrevista abaixo:
A negociação dos direitos de transmissão foi modificada no Brasil por uma MP recente e está em discussão. Na Espanha, a partir de 2015, a negociação passou a ser por bloco. Como se deu essa alteração e qual foi seu impacto?
Em 2015, houve uma mudança na legislação que alterou a negociação, colocando os direitos da negociação nas mãos da liga. Há um valor fixo e o outro que depende de variáveis como a exposição e o desempenho esportivo. A negociação coletiva permitiu a diminuição da diferença entre o que os clubes ganham. O Barcelona e o Real Madrid ganhavam mais de 100 (milhões de euros) e os menores, 10. E esses clubes conseguiram elevar as suas receitas em 3, 4 vezes, com o aumento para os grandes sendo menor. O time pequeno precisa perceber que também é importante.
Percebemos um grande foco do Campeonato Espanhol em internacionalizar a sua marca. Por que essa postura e como você acha que o Brasil poderia atuar no mercado externo, negociando as suas competições?
Há um limite no que se pode ganhar no mercado interno. Mas no externo, não. Então se pode investir em transmissões para mercados asiáticos, para o mercado norte-americano… Mas também é preciso ver qual é a participação do contrato externo nas receitas da competição. Na Espanha, é muito grande. No Brasil, imagino que esse acordo recente tenha sido por um valor pequeno. Então é preciso se adequar aos mercados para também não gerar problemas internamente.
A composição da tabela do Campeonato Espanhol, com jogos em horários diferentes, é um exemplo de preocupação com o a internacionalização do torneio?
A ideia dos jogos em horários diferentes é pensando em agregar o máximo de transmissões e mercados, aumentando a exposição. Nessa reta final de temporada não foi possível fazer isso, alcançar todos os mercados, até pelo verão espanhol. Aí buscamos adequações.
Como a organização do campeonato define a tabela?
A definição da tabela se dá através de um sistema, um algoritmo que simula, utilizando dados comparativos do passado, o impacto na cidade, a audiência em outras regiões, para determinar qual é o melhor horário daquele jogo, pensando em audiência. E a margem de erro é mínima, de 3%, 4%.
O Campeonato Espanhol tem uma previsibilidade e repetição de campeões, mas não deixa de ter a atenção do público. O Brasileirão também vem tendo menos candidatos ao título em anos recentes. Como também torná-lo atraente ao torcedor que não tem seu time com chances de ser campeão?
Acho que há formas de tornar o campeonato atrativo, não pensando só em que está na liderança ou focado na briga pelo título. Você pode valorizar as rivalidades regionais, como um Gre-Nal, os confrontos entre os campeões estaduais, que é algo forte aqui. A rivalidade ajuda as marcas a se conectarem ao torcedor. Esse é o foco da liga espanhola, valorizar os clubes das duas divisões. Também é preciso entender a cultura do torcedor. No Brasil, pelo que percebo, o torcedor prefere assistir apenas ao jogo do seu clube. É preciso fomentar o carinho por outros clubes. Se o seu está na segunda divisão, você não vai deixar de ver o jogo do que está na primeira.
É notório que existe uma grande preocupação com a transmissão dos jogos do Campeonato Espanhol, como se observou na volta do torneio, com adoção de novos ângulos e uso de recursos para "substituir" a torcida. O quão estratégico para La Liga é transformar os jogos em produtos audiovisuais?
É preciso ter uma transmissão de alto nível, com a melhor tecnologia possível. Para melhorar a experiência, mostrar ao telespectador que o jogo é um programa de entretenimento melhor do que o do outro canal de tevê, ou uma opção do Netflix, naquele momento. Por isso, a produção audiovisual é um diferencial, pois o torcedor vai reparar e ver aquele conteúdo. O Campeonato Espanhol também não está no pay-per-view, mas em pacotes de TV fechada. Isso permite que a receita seja recorrente, ao contrário daqui, onde ao fim do campeonato o torcedor muitas vezes cancela o Premiere, voltando a assinar depois, quando o torneio volta.
Há um balanço sobre como foi a volta do Campeonato Espanhol e os efeitos em audiência, já que o público não pode mais estar presente aos estádios?
Houve uma grande audiência na volta do Campeonato Espanhol, em Real Madrid x Real Sociedad, em jogos do Barcelona, porque o torcedor estava saudoso, no Brasil e na Espanha, havia um grande interesse, uma demanda. Mas também ocorreu por se tratar de um produto de qualidade.
Recentemente, La Liga fechou um acordo com a Federação Paulista de Futebol. Como tem sido essa relação com o futebol brasileiro?
Trocamos experiencias sobre como se trabalhou temas como discussão sobre a transformação dos clubes em S/A, recebemos o Rodrigo Maia (presidente da Câmara dos Deputados), para falar disso, de fair-play financeiro… Não são conselhos, mas apresentamos como isso se deu primeiro na Espanha.