Marco Antonio Amaral Rezende, curador da retrospectiva Antonio Lizárraga: Surpresa Sutis, que a Galeria Berenice Arvani abre nesta terça, 25, foi grande amigo do pintor, cuja obra recebeu a atenção de respeitados críticos do País, entre eles Alberto Tassinari, Annateresa Fabris, Rodrigo Naves e Tadeu Chiarelli. Rezende convive com sua obra desde os anos 1960, o que o torna o curador indicado para uma mostra que sintetiza, de modo exemplar, o trabalho de um artista prestigiado por especialistas, mas, como lembrou Chiarelli, diretor da Pinacoteca do Estado, “cultuado por um grupo restrito”. Surpresas Sutis pretende corrigir essa distorção. Lizárraga, “esse sabotador irônico do idealismo construtivista”, conforme definição de Chiarelli, é uma referência da pintura brasileira contemporânea. Merece ser mais que um artista cult.
Nascido na Argentina, Lizárraga (1924-2009) virou brasileiro (em 1992) e fixou residência em São Paulo em 1959, ano em que o crítico de arte Lourival Gomes Machado convidou o artista para ilustrar textos do Suplemento Literário, publicado pelo jornal O Estado de S.Paulo. Ele colaborou com o caderno até 1967, ano de sua extinção. Foi também por intermédio do crítico que ele realizou sua primeira individual, em 1960. Já na época, dominada pela arte concreta, a crítica notava a “sabotagem” de Lizárraga ao projeto construtivo e sua incômoda independência artística, que o marcaria para sempre. O curador Amaral Rezende considera mesmo que essa autonomia, resistente a escolas e grupos, provocou reações hostis que mais prejudicaram do que favoreceram sua carreira.
Artista multidisciplinar, Lizárraga foi designer, programador visual, ilustrador, pintor, escultor e um dos pioneiros a realizar intervenções no espaço público em São Paulo, isso no começo dos anos 1970. Estava no auge da carreira quando, em 1983, sofreu um acidente vascular cerebral que o deixou tetraplégico. Nem por isso deixou de trabalhar. Contra todas as previsões pessimistas, ele fez da década de 1980 uma das mais produtivas, lançando seu primeiro livro de artista (com um belo poema do concreto Haroldo de Campos) e realizando sua primeira individual de pinturas, na Galeria Paulo Figueiredo, em 1986. Dois anos depois, ele ganhou o prêmio de melhor exposição de 1988 por sua mostra Formas, na extinta galeria Paulo Vasconcellos.
Os anos 1990 foram igualmente produtivos, graças ao trabalho dedicado de assistentes que o ajudaram a concretizar suas obras em papel e na tela (Pilar Bayo e Maria José Spiteri, entre outros). Paralelamente, Lizárraga desenvolveu projetos gráficos de grande rigor formal, como capas de livros para Roberto Schwarz (Um Mestre na Periferia do Capitalismo: Machado de Assis, 1990) e Haroldo de Campos (Bereshith, 1993).
Com tudo isso, o mercado de arte ainda se mostra resistente à ideia de Lizárraga ter pintado, sendo ele tetraplégico, como se os pintores renascentistas não tivessem igualmente recorrido à ajuda de assistentes para realizar suas telas. Sua assistente Maria José Spiteri explicou o “método Lizárraga” em sua dissertação de mestrado (publicada em livro pela Edusp sob o título Antonio Lizárraga: Quadrados em Quadrados). Com uma tabela de cores que faria concorrência a qualquer computador, ele indicava com os únicos dois dedos que se moviam o sofisticado jogo cromático das telas que estão em exposição na Galeria Berenice Arvani, cujo esquema formal era definido em papel milimetrado sob sua exigente supervisão.
Uma das séries na mostra, a de relevos/colagens em papel, intitulada Frágil Sobre Frágil (1994), revela justamente esse esquema que Lizárraga adotaria também na pintura. A exploração pictórica do branco e a gravura, no relevo seco, mostram esse trânsito entre técnicas. “Selecionei poucos desenhos, entre eles alguns de décadas anteriores (de 1965 a 1982) apenas como referência histórica, porque me interessava mais mostrar o que sugere o título da exposição, que é a surpresa, a alegria que Lizárraga tinha com sua ousadia, sua liberdade pictórica”, diz Amaral Rezende.
Para o curador, Lizárraga foi um outsider, que não aceitou nem a ortodoxia concreta nem a ordem construtiva, muito menos minimalista. “Estou seguro que ele criou não só um novo método de pintura, ao estabelecer a própria escala cromática, como renovou a ortogonalidade mondrianesca ao organizar séries como Haikai” (pinturas em acrílica, de 1996, em que a permutação cromática atinge tanto a estrutura formal da grade como da base). As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.