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Retrospectiva do pintor Sean Scully em SP reúne obras de 1974 a 2015

Certa vez perguntaram ao pintor irlandês Sean Scully se ele considerava a arte abstrata subversiva. Ele respondeu que não. E continua pensando o mesmo, embora veja a abstração como um possível veículo de subversão, na medida em que conduz o espectador ao livre pensar. A arte abstrata, escreveu Scully num texto sobre Morandi, inventa um espaço que não existia previamente. Apesar de figurativo, isso vale tanto para o pintor italiano, sua maior influência, como para o irlandês, o que pode ser conferido em sua primeira retrospectiva brasileira, aberta no sábado, na Pinacoteca do Estado. A mostra, com curadoria do crítico Jacopo Crivelli Visconti, reúne 46 obras de Scully que resumem seus últimos 40 anos de trabalho.

Scully conversou com o jornal O Estado de S. Paulo antes da abertura da mostra. Foi sincero o suficiente para assumir que é um humanista num mundo uniformizado e materialista como o da arte contemporânea, em crise graças ao cinismo de artistas sem compromisso com a história, como se ela não existisse antes deles. Scully, evoque-se, é profundamente ligado à tradição. Há em sua retrospectiva até exemplos de releituras do século 13, como a da tela Maestà, de 1983, interpretação abstrata da pintura de mesmo título de Ducio di Buonisegna, que se encontra na catedral de Siena.

Embora o espectador não veja figuras em suas telas, apenas faixas verticais e horizontais, essas pinturas incorporam a estrutura espacial das originais e uma narrativa literária que, reconhece Scully, se insinua nos próprios títulos das obras, assumindo a repetição ao dobrar números ou evocando situações de confinamento presentes nas peças do dramaturgo também irlandês Samuel Beckett- como no imensa pintura Darkness Here (Escuridão Aqui, 1989). Ela incorpora duas pequenas telas como se fossem janelas. Só que, ao contrário da tradição pictórica, essas não são janelas para o mundo. Ao contrário: convidam a uma imersão nas cores. A pintura de Scully é imersiva. Busca, sim, o sublime, a beleza perdida na arte contemporânea. E ele não está falando de harmonia. “Audrey Hepburn era linda, embora tivesse orelhas enormes”, brinca.

Scully, pintor consagrado em seus 70 anos, com obras nos principais museus e coleções particulares internacionais (Metropolitan, Tate), não tem pudor em falar de beleza numa época que expõe os tubarões de Damien Hirst e vende as quinquilharias de Jeff Koons. A beleza, diz ele, “foi inventada por necessidade humana”, não por capricho.

E deve continuar viva no futuro, a despeito das várias agressões a ela, de Duchamp a Andy Warhol. Falar em beleza, hoje, parece pejorativo, mas, quando se vê a pintura de Sen Scully, ela surge em todo o seu esplendor.

No panteão de Scully estão Morandi, Mondrian e Rothko. Morandi é o oposto da escala heroica das pinturas de hoje. Ele “resistiu à violência do mundo com sua pintura simples, pequena, modesta”. Rothko, segundo ele, satisfaz um desejo cultural pela beleza e um senso espiritual que falta em nossa época.

Quando participou da Bienal de São Paulo em 2002, Scully incorporou mais um herói: Volpi. Na época, revela, andou atrás de uma tela do pintor. Com o catálogo do brasileiro Arnaldo Ferrari nas mãos, ele elogia o artista, mas, a despeito das semelhanças com sua pintura, diz que sua preocupação é outra. Ele não se considera construtivista, muito menos minimalista. “A arte minimalista é fascista”, afirma, livrando apenas o nome de Carl Andre. “Não sou tirânico como os minimalistas, meu trabalho é poético”.

Essa poética caminha para a dissolução da grade com listras. As mais recentes pinturas, feitas sobre alumínio, deixam os rastros da pincelada, como nas últimas e intimistas telas de Rothko, predominando o azul. É Scully em sua plenitude.

SEAN SCULLY – 1974-2015
Pinacoteca do Estado (Pça. da Luz, 2, tel. 3324-1000). 3ª a domingo, 10h/17h30. Fecha 2ª. Ingresso: R$ 6 (sáb., grátis). Até 28/6.

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