Internacional

Revolta em Hong Kong força governo pró-China a adiar lei de extradições

Policiais reprimiram ontem com violência manifestações em Hong Kong contra uma lei que facilita as extradições de dissidentes para a China. A proposta seria votada ontem, mas foi adiada em razão dos protestos. Apesar do recuo, analistas acreditam que a lei, que interessa aos chineses, deve ser aprovada pelo Parlamento, dominado por deputados pró-Pequim.

Apesar dos protestos, a líder do Executivo da cidade, Carrie Lam, indicada em 2017 pelo Partido Comunista, disse que o processo seguirá seu trâmite. “A iniciativa não foi do governo chinês e os direitos da população de Hong Kong serão respeitados”, garantiu Lam.

Se a lei for aprovada, os manifestantes prometeram “incendiar” as ruas de Hong Kong. “A única coisa responsável agora é o Executivo retirar esse projeto ou, pelo menos, o colocar em uma gaveta para resolver a crise”, disse o deputado Fernando Cheung. “Se tentar aprová-lo, os protestos aumentarão e pode haver derramamento de sangue.”

O secretário-chefe de Hong Kong, Matthew Cheung, pediu que os manifestantes saiam pacificamente. “Peço às pessoas que se reuniram para manter a calma, e se dispersarem de maneira pacífica, o mais rapidamente possível. Não tentem infringir a lei e não desafiem o governo.”
A reação do governo de Hong Kong provocou críticas de juristas, dos círculos financeiros e de diplomatas ocidentais. As autoridades tentam votar o texto no Conselho Legislativo (o Parlamento local) desde a semana passada. Os políticos pretendem retomar o debate hoje e levar a questão a plenário para uma votação final no dia 20.

A lei permitiria que suspeitos de crimes sejam extraditados a países com os quais Hong Kong não tenha acordo formal de extradição. O projeto deixaria a cargo do Executivo a decisão de extraditar, mas autoridades afirmam que, antes da decisão, haveria um julgamento por um juiz independente. O governo também garante que a lei não será usada contra quem enfrenta perseguição religiosa ou política.

Os moradores de Hong Kong temem que a China não cumpra a promessa e os cidadãos sofram detenções arbitrárias ou usem acusações aleatórias, como a de suborno ou corrupção, para prender opositores. Muitos cidadãos de Hong Kong consideram a ilha o último bastião da democracia na China.

No entanto, restrições política têm sido cada vez mais frequentes no território desde os protestos em massa por mais democracia, em 2014, que ficaram conhecidos como “Revolta dos Guarda-Chuvas”, por que os manifestantes usavam guarda-chuvas para se proteger da polícia.

A China endureceu o tom contra qualquer forma de contestação de sua soberania na ex-colônia britânica. Algumas candidaturas de moderados ao Parlamento local, que apenas reclamavam a “autodeterminação”, foram proibidas.

Nas eleições de 2016, 30 deputados pró-democracia foram eleitos para o Parlamento de 70 assentos. Com esse número, eles conseguiriam barrar projetos como o da extradição. Em 2016, Pequim conseguiu suspender seis deputados que não fizeram o juramento da maneira protocolar. Alguns eram veteranos da luta pela democracia em Hong Kong e outros integravam um novo movimento radical de independência.

Houve uma eleição legislativa em 2017 para substituir os suspensos, mas o lado pró-democracia não recuperou os deputados. Hoje, dos 70 assentos, 43 são pró-Pequim, 23 são pró-democracia e os outros 4 são independentes – o que permite a aprovação da lei proposta.

“Só metade dos 70 legisladores foi eleita diretamente, sob um sistema eleitoral desenhado para manter no poder os aliados do governo”, disse ao jornal O Estado de S. Paulo Ma Ngok, da Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong. “O sistema eleitoral privilegia empresários e corporações, que tendem a ser favoráveis aos governos de Pequim e Hong Kong.”

Segundo ele, o embate entre defensores da democracia e governo pró-Pequim deve se intensificar. “Existe um descontentamento com as interferências da China e muitos, especialmente os mais jovens, enxergam a luta de agora como uma guerra pelos valores de Hong Kong”, diz Ngok. / RODRIGO TURRER (Com agências internacionais)

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