A comemoração dos 90 anos da Gafieira Estudantina Musical, em 2018, não terá casais a rodopiar no velho piso de madeira. O silêncio também vai marcar os 20 anos do Bar Semente, a se completar na mesma época. Patrimônios culturais do centro do Rio, as duas casas, a primeira, templo da dança de salão, de frente para a Praça Tiradentes, a segunda, palco da Lapa dedicado ao melhor da música instrumental brasileira, do samba e do choro, anunciaram o encerramento de suas trajetórias de sucesso nas últimas semanas.
O motivo é o mesmo: a queda de público, em decorrência do aumento da violência e da desordem urbana na região e também da crise financeira, e a consequente dificuldade para segurar as contas. Enquanto a tradicional gafieira deve mais de R$ 4 milhões à Ordem Terceira do Carmo, proprietária do imóvel que ocupa há 39 anos, e do qual foi despejada segunda-feira passada, o Semente, precursor do movimento de recuperação da degradada Lapa, viu seu movimento cair entre 30% e 40% de 2016 para cá, e fechou para que o prejuízo não aumente.
“Fazer música é caro e decidi parar de perder dinheiro. O entorno não ajuda, embora a Lapa seja fantástica, comparada a Nova Orleans, a Alfama (bairro de Lisboa)”, desabafa Aline Brufato, desde 2004 à frente do Semente. “Fechei a operação diária, com dois shows de quinta a sábado, e demiti 15 funcionários. Não tem como funcionar com esgoto na porta, com pessoas fazendo os Arcos, um monumento do século 16, de banheiro público, a rua cheia de ambulante. Estou desesperançosa”.
Testemunha da transformação da Lapa – do abandono à glória, com 100 mil pessoas circulando por fim de semana, chegando ao descaso atual -, Aline chegou a ver a casa quase vazia. O cenário contrasta com o de noites memoráveis em que Chico Buarque, João Bosco, Ney Matogrosso, Dave Matthews e muitos outros fãs do Semente deram canjas animadas.
“Passei 20 anos tocando lá e não aceito que seja o fim. Estou indignado com o descaso com a Lapa e o Rio”, diz o violonista Zé Paulo Becker, que vinha fixo nas noites de segunda-feira. No dia 18 de novembro, ele irá se apresentar com o grupo Semente Choro Jazz, formado no bar, no Blue Note do Rio – será uma nova experiência para a marca Semente fora da Lapa.
Yamandú Costa, que se encontrou no Semente ao chegar do Sul com seu violão, o considera “um grande laboratório musical” para músicos que começaram nos anos 1990. “É difícil enxergar a importância disso agora, mas a história vai mostrar”, acredita.
O ocaso da Estudantina também abalou frequentadores e artistas, como a cantora Alcione. Ela foi surpreendida pela má notícia. “A gafieira é algo que só o Brasil tem, não pode acabar”.
Inconformado com o despejo, o diretor artístico da casa, Paulinho da Estudantina, vai pedir à prefeitura do Rio que ceda o Sambódromo para um show que angarie fundos para a liquidação da dívida. “Conseguimos o apoio de Maria Bethânia, Caetano Veloso, João Bosco, Fagner e Anitta, que aprendeu a dançar lá, aos dez anos. Temos que conseguir reabrir. Mas o prefeito é evangélico, não quer saber”. Paulinho admitiu: o aluguel não é pago desde 2004.
A prefeitura considera o imóvel de utilidade pública desde 2012, mas não o desapropriou. Segundo a Ordem Terceira do Carmo, a Estudantina não tentou negociar os atrasados. “Querem manter a gafieira às custas do proprietário? Alguém tem que pagar”, diz o secretário-geral da Ordem, Armindo Diniz. Adornado com fotografias do Rio antigo, o belo salão ficou conhecido no Brasil por servir de cenário de novelas de Glória Perez na TV Globo – o último capítulo de “A Força do Querer”, exibido sexta-feira, teve cenas gravadas lá. Na véspera, foi realizado à porta do sobrado um protesto dançante, para chamar a atenção para o caso. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.