Vinte oito pessoas e um golden retriever se espremiam em cadeiras improvisadas e um sofá de dois lugares no comitê de campanha de Joe Biden em Iowa City na quinta-feira, 30. Entre alguns apoiadores e muitos indecisos, eleitores da região buscavam ouvir de Jill Biden, mulher do ex-vice-presidente, o mais bem colocado democrata para a eleição presidencial de 2020.
A resposta da candidata a primeira-dama apareceu nos primeiros minutos de discurso: "Joe é o único que bate Trump nas pesquisas eleitorais nos Estados pêndulo". "Quando estiverem cansados, andando no frio para fazer campanha, pensem no que sentiram no dia depois da eleição de Trump em 2016 para continuar a caminhar", emendou. O Estado é considerado pêndulo, pois oscila entre democratas e republicanos no voto presidencial.
A largada da campanha eleitoral dos EUA, com as primeiras prévias marcadas para amanhã, 3, deveria ser sobre os democratas, que começam a definir o nome que irá concorrer à Casa Branca. Mas a disputa interna da oposição é sobre Trump. "Eu quero alguém que bata Trump, isso é o mais importante agora. Biden, Warren e Bernie têm o apoio público, apoiam coisas similares. O que precisamos é tirar o presidente", diz Maggie Martin, eleitora democrata em West Des Moines. "Meu candidato é o Pete Buttigieg, mas quero qualquer um que possa vencer Donald Trump nesse momento", também diz Courtney Lighfoot. O processo de impeachment contra Trump, aprovado pela Câmara, de maioria democrata, chega a sua etapa final nesta semana. A previsão é de que o Senado rejeite a acusação contra o presidente nesta quarta-feira, 5.
Desde o final da década de 70, a escolha de quem serão os candidatos a presidente nos EUA saiu do controle dos líderes partidários e passou a ser feita pela população. Iowa, onde vive só 1% dos americanos, é o primeiro Estado a indicar sua preferência. Quem larga bem é beneficiado por um efeito cascata em outras prévias.
O peso do Estado na política nacional é considerado desproporcional, se analisados o tamanho da população local, a falta de representação de minorias e apenas seis votos no Colégio Eleitoral. Nos EUA, o sistema de voto é indireto e o Colégio Eleitoral é decisivo. Os eleitores escolhem os delegados do colegiado que, por sua vez, define o presidente. O número de eleitores de cada Estado é definido pela população e representação na Câmara. O Estado com maior número de delegados é a Califórnia, tendo 55 de 538 cadeiras. São necessários 270 votos para ser eleito à Casa Branca. Na maioria dos Estados, o candidato que tem o maior número de votos dos cidadãos leva todos os votos dos delegados daquele estado. Em 2016, Hillary Clinton ganhou de Trump no voto popular mas perdeu o voto do Colégio Eleitoral.
Iowa ainda tem a seu favor o fato de concentrar parte relevante da produção de grãos americana – soja e milho – e portanto atrair as atenções de qualquer presidente. Iowa e Illinois são os principais produtores de milho dos EUA, respondendo normalmente por um terço da safra do país. O milho é usado para produção de etanol, ração animal e exportação. "Iowa é um filtro. Os eleitores do Estado e os candidatos levam esse processo lá muito a sério", diz John Zogby, estatístico americano dedicado às pesquisas eleitorais.
Depois de votar em Bush em 2004, os moradores de Iowa ajudaram a eleger e reeleger Obama, mas em 2016 ajudaram Trump a chegar à Casa Branca. Se a eleição presidencial fosse hoje e se resumisse a Iowa, Trump ganharia de todos os candidatos, com as margens mais apertadas nas disputas contra Biden e Buttigieg (2 pontos e 1 ponto porcentual de diferença do republicano, respectivamente). Os dois são tidos como os mais moderados na oposição e atraem o voto do Estado rural e predominantemente branco. Em 2016, Trump recebeu 51,2% dos votos e Hillary, 41,7%.
Moradores de Des Moines são orgulhosos pelo fato de o voto no Estado variar. "Eu quero o melhor para o país, não necessariamente votar só em um republicano ou só em um democrata", afirmou Todd Christi, motorista de Uber. "Desde quando o Obama foi eleito virou isso do meu jeito ou então nada. Eles não aceitaram ter um negro como presidente", disse Gregory Allen, nascido na Pensilvânia e morador de Des Moines. Allen foi a primeira pessoa negra que a reportagem viu depois de dois dias percorrendo quatro cidades do Estado. Pouco mais de 3 milhões de habitantes moram em Iowa, sendo 91% brancos.
Em um cenário disperso na oposição, eleitores justificam a escolha com base na chance de cada um dos candidatos se viabilizar e atrair votos suficientes contra Trump. Os favoritos são Joe Biden e o senador Bernie Sanders, com 27% de intenções de voto dos eleitores cada. O ex-prefeito de South Bend, Indiana, Pete Buttigieg e a senadora Elizabeth Warren aparecem com 18% e 16%, respectivamente. Os dados são do agregador de pesquisas eleitorais FiveThirtyEight.
Os partidos fazem primárias e caucuses nos Estados para definir os delegados que representarão cada região na convenção nacional da legenda. Esses delegados não se confundem com os do Colégio Eleitoral. O nome que obtiver a maioria simples dos votos dos delegados do partido é nomeado candidato. O bilionário Michael Bloomberg não participa das primárias em Iowa. Bernie e Warren são considerados o polo mais à esquerda entre os candidatos, enquanto Biden e Buttigieg são apontados como centristas.
<b>Resposta de Trump</b>
Os termômetros marcavam -2ºC em Des Moines, na noite de quinta-feira, e a divisão política ficou fisicamente visível nas ruas. Trump quis marcar presença em um comício na capital de Iowa. "Eu não vou perder esse Estado", disse, sob aplausos. Na praça em frente, manifestantes contra Trump gritavam palavras de ordem olhando para a massa de bonés "Trump 2020". Os anti-Trump eram eleitores de Warren, Bernie, Biden, Pete, com broches de campanhas e cartazes variados. A coesão no grupo, disperso até nos gritos de guerra, era em torno da crítica ao presidente. Do outro lado, eleitores do presidente revidavam em uníssono pedindo "four more years" (mais quatro anos).
A divisão – dentro e fora do partido democrata – sobre como enfrentar Trump deixou sequelas para parte dos candidatos. Na Sexta-feira, 31, à noite, Bernie Sanders lotou um ginásio com eleitores, mas teve de participar via telefone pois não conseguiu viajar de Washington, onde estava na votação do impeachment de Trump, a Des Moines a tempo de seu próprio comício. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>