Robert Eggers e seu terror estiloso

Criou-se quase que instantaneamente um culto a <i>O Farol</i>, desde que o longa de Robert Eggers, produzido pelo brasileiro Rodrigo Teixeira, integrou a programação de Cannes, em maio passado. <i>The Lighthouse</i> passou na seção Quinzena dos Realizadores. Venceu o prestigiado prêmio da crítica. Teixeira e Eggers já haviam sido parceiros em outro filme de gênero, <i>A Bruxa</i>. O terror como estilo e representação de mundo, como linguagem. Eggers veio para a apresentação do filme na Mostra. Foi uma sessão memorável. Sala lotada – o Auditório Ibirapuera. Público disputando ingressos. Quando a dupla pisou no palco, a ovação foi extraordinária.

Dupla, não – trio. Teixeira trouxe também o ator Willem Dafoe, um amigo da Mostra desde que protagonizou o Hector Babenco, <i>Meu Amigo Hindu</i>. Talvez, se <i>O Farol</i> fosse um pouquinho melhor, se justificasse o entusiasmo. Mas cabem algumas considerações. Tem havido uma grande valorização do cinema de gênero. Antes, o terror era quase que exclusivamente uma batalha (perdida?) da crítica francesa. Em todo o mundo, os críticos desdenhavam. Houve, nos anos 1930, a escola hollywoodiana, alimentada pela herança expressionista. Nos 40, ainda em Hollywood, o fenômeno Val Lewton. Nos 50 e 60, a inglesa Hammer permaneceu o biscoito fino de poucos. Terence Fisher, Roy Ward Baker eram prazeres proibidos. O terror recrudesceu como gênero nos últimos anos. Impulsionado pelo movimento negro que, com o empoderamento, reformulou a cara da indústria, Jordan Peele virou o cara. Ganhou Oscar e tudo. Merece respeito, como tendência. Mas está longe da originalidade. <i>Corra!</i> é quase um remake de <i>Esposas em Conflito</i>, dos anos 1970, com algumas singularidades.

O filme antigo, de Bryan Forbes, era uma adaptação do livro de Ira Levin – autor em que Roman Polanski também se baseou para fazer <i>O Bebê de Rosemary</i>. Na cidade de Stepford, as donas de casa Katharine Ross e Paula Prentiss tentam entender o estado de feliz submissão em que vivem as demais esposas da comunidade. Há algo de sinistro nesse mundo fechado, como Chris/Daniel Kaluuya, levado pela namorada, também descobre que ocorre com os negros no Jordan Peele. Substitua as mulheres por homens, a cor da pele, e <i>Corra!</i> deve tudo ao duo Forbes/Levin, ou quem sabe a William Goldman, que assina a adaptação. Um terror com alguma qualidade, mas de segunda mão, legitimado pelas referências subliminares à era Donald Trump, exatamente como o Ari Aster de <i>Midsommar – O Mal não Espera a Noite</i>, que também deve tudo a <i>The Wicker Man</i>, a versão de 1973, de Robin Hardy, com Christopher Lee. Pelo visto, ninguém se preocupa com isso. Os originais são obras pouco conhecidas ou consideradas. O importante é o reconhecimento das obras novas.

É mais ou menos o que ocorre com <i>O Farol</i>. Terror de segunda mão. Dois homens num farol – um veterano, Willem Dafoe, e o aprendiz, Robert Pattinson. Ecos de Joseph Conrad, de Stanley Kubrick. <i>Lord Jim</i>, <i>O Iluminado</i>. Uma pitada de <i>A Volta do Parafuso</i>, de Henry James, que inspirou <i>Os Inocentes</i>, de Jack Clayton. Os homens criam o inferno no mundo fechado – lá fora ruge a tormenta. Eggers é estiloso. Filma em preto e branco, tela quadrada, ou quase – formato 1.19:1. Cria signos que anunciam a tragédia – as gaivotas, a sereia. A funcionalidade da obra depende, como sempre, do grau de adesão do público. Dominação, submissão, jogos sado-masô. Quem são esses caras? Visto de fora, <i>O Farol</i> parece uma colagem, uma súmula de filmes de terror que Robert e seu irmão roteirista, Max Eggers, viram e regurgitam como seus personagens.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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