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Romance Dois Irmãos é lançado em quadrinhos

A literatura de Milton Hatoum é tão sedutora que não impede o rompimento de barreiras – apesar de soar como uma tarefa quase impossível, o romance Dois Irmãos já foi adaptado para o palco, prepara-se para ganhar a tela do cinema e agora chega em uma caprichada adaptação para os quadrinhos, realizada pelos irmãos gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá, em edição da Companhia das Letras.

A obra, já disponível nas livrarias brasileiras, foi lançada internacionalmente no fim de semana durante o Salão do Livro de Paris, evento que reuniu o romancista e os quadrinistas para um debate.

Foram quatro anos de trabalho em um desafio lançado em 2009, quando, durante a Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, Moon e Bá conversavam descompromissadamente com Hatoum até que André Conti, editor da Companhia, notou que os artistas eram gêmeos como os personagens do romance. “Por que não levam a história para os quadrinhos?”, incitou Conti.

Não se tratava de um desafio qualquer – publicado em 2000, Dois Irmãos é um dos mais elogiados romances de Milton Hatoum e acompanha o conflito entre os gêmeos Omar e Yaqub, descendentes de libaneses que vivem na Manaus da primeira metade do século passado. Filhos de Halim e Zana, eles enfrentaram uma grave discordância ainda meninos, divididos pelo interesse por Livia, o que provocou uma cisão familiar.

Omar e Yaqub também são suspeitos de um deles ser o pai de Nael, filho de Domingas, a índia que é a empregada da casa. É sob o ponto de vista de Nael que a trama é narrada, história que, graças ao talento de Hatoum, ultrapassa a semelhança com a diferença bíblica entre Caim e Abel para, sob os ecos da floresta, tratar de ancestrais origens indígenas, da brutalidade da colonização, das vivências dos avós imigrantes e dos conflitos provocados pela passagem do rural para o urbano.

“Nesses quatro anos de trabalho, lemos o romance ao menos três vezes antes de começarmos os primeiros rascunhos”, conta Moon. “Queríamos interiorizar o ritmo da história, o clima da cidade.” A leitura, no entanto, não foi suficiente e os gêmeos embarcaram para Manaus a fim de descobrir pessoalmente, durante uma semana, a arquitetura que Hatoum recria de forma ao mesmo tempo crítica e carinhosa.

“Concentramos nossa pesquisa no centro da cidade, onde se passa boa parte do romance, um local que ainda apresenta resquícios dos anos 1920 e 30”, comenta Bá. O passo seguinte foi definir qual seria o traço mais adequado e como seriam divididos os capítulos. A opção pelo preto e branco foi quase imediata, a fim de apresentar Manaus por meio de um jogo de luz e sombras, o que ressalta a dramaticidade.

Logo que retornou do Amazonas, a dupla conversou com Hatoum, pois eles sentiam que a cidade do livro se transforma quase como um sonho. “E era importante captar esse clima”, justifica Bá. Os gêmeos também apresentaram ao escritor seus planos de como pretendiam registrar a casa e também os personagens.
“Milton foi muito generoso e nos incentivou, mas fez um importante reparo em relação a Zana”, conta Moon. “Pensávamos em uma mulher sensual, quase uma cigana, mas ele destacou que Zana é muito mais a mãe dos gêmeos que a mulher de Halim.”

O recado era claro: o clima era mais sensual que vistoso e a paixão de Halim pela mulher deveria ser preponderante. “Milton até nos mostrou fotos de família que nos ajudaram a construir os traços físicos mais importantes”, completa Moon.

Durante o período de criação, a dupla trabalhou simultaneamente com outros projetos até se decidir concentrar o foco em Dois Irmãos. Afinal, era um projeto inédito em sua carreira – até então, Bá e Moon criaram histórias em sua maioria com final feliz, mas, dessa vez, a tragédia familiar apontou para novos caminhos.

A adaptação da obra de Milton Hatoum é o primeiro trabalho de Gabriel Moon e Fábio Bá desde Daytripper, série vencedora do prêmio Eisner de 2011, o mais importante da indústria dos quadrinhos. E o escritor aprovou o resultado final. “Quando observou o trabalho final, Milton parecia estar admirando fotos do passado”, conta Moon. “Foi como entrar em seu mundo imaginário, que ele reconheceu em nossos desenhos”, completa Ba. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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