Terminou com tom político o primeiro dia de desfiles da São Paulo Fashion Week, no Prédio da Bienal, no Parque do Ibirapuera. Depois de fazer uma ode ao amor na última temporada, Ronaldo Fraga decidiu falar de guerra. Mais precisamente da situação dos refugiados. Seu ponto de partida foram imagens de embarcações que partiram da África rumo à Europa – ao dar um zoom, o estilista mineiro notou que as pessoas usavam calças, camisas e vestidos estampados com flores e grafismos vibrantes.
“A roupa é a única herança de sua terra e elemento de uma identidade cultural que o manterá de pé”, escreveu Fraga, que buscou na literatura do moçambicano Mia Couto e do angolano Valter Hugo Mãe as referências para compor sua narrativa. “Aqui a roupa é também uma arma de re-existência.” Na passarela, primeiro, surgiram modelos vestindo uma espécie de uniforme branco, com a palavra “refugee” escrita nas costas, e os rostos cobertos por capuzes de tricô. A imagem estereotipada veio seguida de uma festa africana.
Homens e mulheres com tranças rastafári, muitos deles negros, desfilaram vestindo peças multicoloridas e estampadas. Havia desenhos dos próprios refugiados, prints de barquinhos de papel e séries de looks vermelhos, azuis, bordados, com peças de crochê e tricô. Havia roupas com aplicações de flores, de correntes, de figas. Os acessórios eram enormes, de acrílico desdobrado em argolas, braceletes grossos e colares exagerados. Tudo embalado por ritmos africanos animados. Apesar do tema árido – e dos tempos idem – Fraga passa sua mensagem de resistência com poesia. É de Hugo Mãe a frase com que o criador passa seu recado final. “Não sei se a arte pode nos salvar, mas tenho certeza de que ela pode nos conduzir ao melhor que há em nós para que não nos desperdicemos na vida.”