Mundo das Palavras

Rosto de mulher

Sentada no banco do vagão do metrô, a moça abre sua bolsa e dela retira um conjunto de objetos que nós, homens, estamos acostumados a encontrar nas nossas prateleiras de armários, nos banheiros.

Sentada no banco do vagão do metrô, a moça abre sua bolsa e dela retira um conjunto de objetos que nós, homens, estamos acostumados a encontrar nas nossas prateleiras de armários, nos banheiros. Neles, porém, nunca tocamos, como se estivessem envolvidos em tarjas de uso exclusivo destas surpreendentes e animadoras figuras que dão sentido e graça a cada fase das nossas vidas. 

Pincéis, batons, lápis de olho, estojos de pó, com espelhinhos, sempre se misturaram, naquelas prateleiras, às nossas escovas de dente, desde a infância. Mais tarde, dividem espaços com nossos barbeadores e loções. Permanecendo, porém, sempre obscuras suas serventias. 

Pois, ali, instalada na metade do banco de um vagão em movimento, entre uma estação e outra, a moça, com segurança de quem acumulou longa experiência, começa a manipular aqueles objetos. Em volta, os marmanjos, se espantam diante do desvendamento inesperado dos rituais que elas executam somente atrás das portas dos banheiros. Sem jamais nos deixar saber exatamente no que eles consistem. Conquanto, às vezes, nos levem à exasperação, pelo tempo que gastam neles. 

Os gestos da moça são precisos, certeiros. Abre e fecha estojos, desenvolta. Com esponjinha, retira camadas de pó compactado num estojo e aplica-as, habilmente, nas bochechas. Ora reduz, com a própria esponjinha, o material excessivo, ora reforça a camada já aplicada no rosto. Quando, por fim, parece satisfeita com o resultado obtido até ali, passa a atuar em outras áreas de seu rosto. Nos olhos, usa lápis. Repuxa a pele, com um único dedo, para enxergar no espelhinho do estojo toda a linha já desenhada nas bordas das pálpebras. Em seguida, se dedica às sobrancelhas e às pestanas. 

É uma artesã veterana modelando seu material com destreza. A certa altura, dá a impressão de que considera concluído o trabalho. Porém, mais uma vez, mais outra, e, ainda outra, aprecia-o, refletido no espelhinho. Com aquele olhar frio, duro, com o qual estamos acostumados a vê-las se autoanalisando diante de qualquer espelho. 

Impossível saber se está completamente satisfeita. Ou apenas resignada, diante de seu pouco tempo.  

Na bolsa, põe, de volta, os apetrechos. Em seguida, relaxa as costas, apoiando-as no encosto do banco. Respira, profundamente. No rosto trabalhado, agora, há uma expressão de confiança. Parece preparada para enfrentar quem verdadeiramente saberá julgar sua obra recém-acabada: as outras mulheres. Posto que nós, homens, eternos distraídos, infelizmente, sequer distinguimos um corretivo de mancha no rosto de um corretivo de erro de digitação. Embora, claro, amemos com fervor, os rostos delas. Sob o efeito das cores e linhas que aplicam neles. Ou, mesmo, ao natural. Nisto, porém, elas não acreditam. E, melhor, é não insistir no assunto. Afinal, elas é que sabem do poder de que dispõem.

(Ilustração: maquiagem e militância, juntas, no cartaz de luta por direitos)

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