O acordo para a nova proposta de pagamento dos precatórios (dívidas definidas pela Justiça) vai exigir a montagem de uma grande mesa de negociação de ativos da União em troca da quitação de cerca de R$ 50 bilhões. Essa é a soma dos precatórios que ficarão fora do teto de gastos, a regra que limita o avanço das despesas à inflação, e não serão pagos à vista, mas poderão ter a quitação acelerada mediante acerto entre as partes.
Se aprovada a proposta, o pagamento dos credores atingidos deixa de ser obrigatório no ano que vem e pode demorar, assim a União ganha poder de barganha para obter acordos hoje considerados não atrativos.
Grandes detentores de precatórios demonstram resistência e veem as decisões do Judiciário enfraquecidas numa negociação em que os credores perdem força. Para aplacar resistências, segundo fontes envolvidas nas negociações, líderes do Congresso colocaram, de última hora, a possibilidade de esses precatórios serem pagos em dinheiro e à vista, mas com deságio de 40%. Mesmo nesse caso, a despesa fica excluída do teto.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e a Advocacia-Geral da União (AGU) farão o meio de campo nas negociações. Na lista de ativos que poderiam entrar na negociação estão imóveis, liquidação de dívidas com a União, barris de petróleo do pré-sal, concessões de rodovias, ferrovias, ações da Eletrobras e dos Correios, além de outras estatais na fila para serem vendidas. Ou seja, esses ativos poderiam ser adquiridos com os valores dos precatórios.
Pelo acordo, o governo só se compromete a pagar à vista cerca de R$ 40 bilhões da conta de R$ 89,1 bilhões das despesas com precatórios. O valor é R$ 17 bilhões abaixo do que o governo previa destinar às dívidas judiciais em 2022.
Para os R$ 50 bilhões fora do teto, ou os credores renegociam com o governo, ou esperam. Essa fila vai aumentando à medida que os anos passam, de forma que o governo acredita que haverá interesse dos credores na negociação. Um precatório emitido em 2023, por exemplo, pode acabar só sendo pago muitos anos para frente.
"Que negociação é essa em que o governo não tem nenhum tipo de coação para pagar?", critica o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz. Ao <b>Estadão</b>, ele diz que a fixação de um limite para precatórios é inconstitucional e busca diminuir o poder do Judiciário. Para ele, Executivo e Congresso querem, com a proposta, "tirar a caneta" do Judiciário ao reduzir o "valor de face" das suas decisões. A OAB apoia a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do deputado Marcelo Ramos (PL-AM), que tira toda a despesa com dívidas judiciais do alcance do teto de gastos.
Entre os defensores do acordo, a leitura é outra: o Supremo Tribunal Federal (STF) teve a oportunidade de reescrever a regra. O presidente do STF, Luiz Fux, tentou viabilizar uma resolução via Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mas a proposta, além de enfrentar resistências entre os ministros da Corte, foi afetada pela tensão com o Executivo.
Apesar de o gasto com os acordos ficar fora do teto de gastos, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e sua equipe consideram que a proposta traz melhoria para as contas públicas e limpeza no balanço patrimonial da União, sem pressão de gasto adicional com a parcela de precatórios que ultrapassa o limite R$ 40 bilhões em 2022. As exceções são as opções de quitar o precatório à vista com desconto de 40% e de parcelar em 10 vezes, a primeira equivalente a 15% do valor da dívida.
Segundo apurou o <b>Estadão</b>, Guedes considera essa flexibilização do limite de gastos uma opção melhor do que a simples retirada permanente dos precatórios do alcance do teto.
A avaliação dentro do governo é de que haverá estímulo para os advogados buscarem a negociação e trabalharem pelo acordo, evitando a fila. O argumento é de que os próprios detentores de precatórios vinham defendendo que o governo chamasse os credores para uma grande negociação. Já os credores dizem não aceitar que isso seja "imposto" pelo governo.
No caso dos grandes precatórios dos Estados, relativos às dívidas do antigo Fundef (fundo para a educação extinto e substituído pelo Fundeb), o Ministério da Economia já começou a conversar com os secretários de Fazenda da Bahia, do Ceará e de Pernambuco, que detêm juntos o direito a receber R$ 16 bilhões em 2022.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>