O Ministério da Saúde decidiu priorizar as verbas do orçamento secreto na liberação das emendas parlamentares no fim do ano, de acordo com congressistas e técnicos ouvidos pelo <b>Estadão/Broadcast</b>. Ao optar pelo orçamento secreto, a pasta acaba beneficiando diretamente aliados do presidente Jair Bolsonaro no Congresso.
No mês de dezembro, até o dia 28, o Ministério da Saúde empenhou (autorizou, a primeira etapa do pagamento) R$ 1,5 bilhão em emendas do orçamento secreto, enquanto as emendas individuais ficaram com R$ 350 milhões. Só na terça-feira passada, a pasta habilitou municípios a receberem mais R$ 371,9 milhões das emendas de relator, enquanto as individuais foram atendidas com R$ 6,2 milhões, em uma fase anterior ao empenho.
O impasse causou reação de gabinetes e instituições de saúde que esperavam o empenho dos recursos das chamadas emendas individuais, aquelas indicadas por cada deputado e senador e previstas na Constituição, até hoje, último dia do ano.
Pelo orçamento secreto, o governo distribui repasses a um seleto grupo de deputados e senadores, que definem como e onde o dinheiro público deve ser alocado em troca de apoio político, mas sem os critérios mínimos de transparência adotados em outros tipos de emendas. A prática foi revelada pelo <b>Estadão</b>.
<b>CRITÉRIOS</b>
Procurado, o Ministério da Saúde afirmou que empenhou a maior parte das emendas impositivas, mas não esclareceu os critérios adotados nos últimos dias.
Até o dia 28, o ministério empenhou R$ 6,1 bilhões em verbas do orçamento secreto em 2021. Aliados do governo beneficiados com a prática pressionam pela liberação de R$ 1,4 bilhão que ainda não havia sido empenhado até essa data. As emendas de relator, carimbadas com o código RP-9, ocupam o maior espaço e acabam sendo priorizadas.
Por outro lado, a pasta empenhou R$ 5,3 bilhões em emendas individuais em 2021, mas R$ 249,5 milhões ainda não foram executados e precisam ser liberadas até hoje. De acordo com um levantamento preliminar de técnicos do Congresso, pelo menos R$ 35 milhões de emendas precisavam de correções e tiveram o sistema fechado, correndo risco de serem canceladas.
O ritmo de liberação do orçamento secreto, carimbado com as emendas de relator, ficou maior do que as verbas impositivas nos últimos dias. Além disso, as emendas individuais que precisavam de informações complementares ou correções técnicas para serem liberadas – as chamadas diligências – foram fechadas no sistema do Fundo Nacional de Saúde (FNS) no dia 22, sem a possibilidade de conclusão.
<b>CANCELAMENTO</b>
De acordo com especialistas, em anos anteriores, os beneficiários das emendas impositivas, como as individuais, conseguiam fornecer as respostas para solucionar os entraves técnicos até o dia 31 de dezembro. Quando um recurso é empenhado, o valor pode ser pago no ano seguinte. Se o empenho não ocorrer até o último dia do ano, no entanto, a verba é cancelada.
Esse tipo de procedimento é necessário quando faltam dados técnicos para o pagamento da verba. A chamada diligência é feita para garantir a transferência correta do dinheiro e é comum que o Executivo permita as correções antes do empenho, ou seja, da reserva efetiva do dinheiro para pagamento.
Gabinetes relataram terem sido informados sobre a necessidade de diligências só no dia 23, com o sistema já fechado. Na prática, os municípios e instituições beneficiados pelos recursos ficaram sem a possibilidade de apresentar as informações necessárias para garantir o empenho.
<b>REAÇÃO</b>
"Beira o absurdo. Eles estão priorizando emendas do relator-geral, ou seja, o orçamento secreto, em vez de cumprir a Constituição e mandar os recursos das emendas impositivas", disse o deputado Vinicius Poit (Novo-SP), ao citar um total de R$ 1,8 milhão em emendas barradas para unidades de saúde de Pirassununga, Rinópolis e Rio Claro, cidades do interior de São Paulo.
O deputado Elias Vaz (PSB-GO) descreveu o mesmo impasse com uma emenda de R$ 200 mil para Santo Antônio de Goiás (GO). "É uma situação absurda. Somos claramente prejudicados porque tem parlamentares com mais emendas porque entraram na política do toma lá, dá cá e agora ainda vemos aquelas emendas que são distribuídas de forma igualitária terem esse tipo de prejuízo sendo colocadas em detrimento das emendas do orçamento secreto", disse.
Reservadamente, outros gabinetes do Congresso fizeram relatos do mesmo problema à reportagem. "Vou tomar todas as medidas legais cabíveis nesse caso. O que eles estão fazendo é inadmissível. Estão cometendo um crime", afirmou Vinicius Poit.
<b>TORNEIRA</b>
No fim do ano, é comum parlamentares e ministérios correrem contra o tempo para "raspar o tacho" das verbas e garantir a execução dos recursos em redutos eleitorais. Desde o início do ano, 95% das emendas individuais foram liberadas, segundo dados do Painel do Orçamento, mantido pelo governo federal. Nos últimos dias, porém, a "torneira" está fechando e as emendas do orçamento secreto têm sido priorizadas. Técnicos do ministério relataram a assessores do Congresso que será impossível empenhar todas as emendas impositivas.
O Ministério da Saúde afirmou que, até o momento, executou 96,4% das emendas parlamentares individuais relativas ao ano de 2021, um valor empenhado de R$ 4,9 bilhões. Ao citar a emenda de Vinicius Poit, a pasta disse que a indicação não cumpriu os prazos e critérios técnicos para aprovação.
O ministério não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre os critérios adotados no fim do ano nem sobre o fechamento das diligências das verbas individuais e a prioridade para o orçamento secreto. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>