Os consumidores brasileiros não deverão ter trégua nos próximos meses. A prolongada estiagem e, mais recentemente, as ondas de frio registradas em várias regiões do País afetaram a produção de milho, café, hortaliças e laranja, o que deve elevar ainda mais o custo desses produtos nas prateleiras dos supermercados. Como o milho é usado na ração de bovinos, suínos e, principalmente, frangos, o preço desses itens também seguirá pressionado.
Depois de dois anos de recorde, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) projetou ontem uma queda na safra de grãos brasileira 2020/2021. A expectativa é de que sejam produzidas 254 milhões de toneladas, 1,2% a menos do que na safra anterior.
Mesmo com o aumento de 4% na área plantada, a redução na produção se deve à queda na produtividade por causa da estiagem nas principais regiões produtoras e das geadas. Economistas alertam que parte desses eventos climáticos ainda não estava no radar e ainda poderá ter efeitos negativos nos preços.
O café foi uma das lavouras mais atingidas pela recente onda de frio, que prejudicou também a produção de milho, que já tinha sofrido com problemas climáticos no início do ano. No segundo semestre do ano passado, produtores de soja atrasaram em cerca de um mês o plantio do grão por falta de chuvas. Isso levou a uma produção menor do principal produto agrícola exportado pelo País, e adiou também o cultivo do milho, que é plantado na entressafra da soja.
Com isso, a Conab projetou uma quebra de 15,5% nas colheitas. A primeira safra, de verão, está projetada em 24,9 milhões de toneladas, 11% abaixo da safra anterior. A segunda safra, tradicionalmente chamada de "safrinha", deve ser de 60,32 milhões de toneladas, 19,6% abaixo da de 2020.
"O milho foi a principal questão que levou a Conab a reduzir a projeção da safra. Os preços já vinham em alta, e teremos uma oferta apertada, muito ajustada à demanda, até maio de 2022, que é quando se colhe a safrinha 2022", afirmou o assessor técnico da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Fábio Carneiro.
O clima também levou o IBGE a revisar sua estimativa para a safra de grãos. O IBGE ainda estima ligeiro aumento, de 0,8%, mas fez revisões para baixo pelo quarto mês seguido – e a perspectiva é de continuar rebaixando as previsões.
O analista de Agropecuária do IBGE, Carlos Antônio Barradas, disse que as estimativas do órgão para a segunda safra de milho poderão piorar porque os efeitos negativos das geadas ainda não foram totalmente captados. Além disso, há a possibilidade de novas ondas de frio chegarem, o que, assim como a estiagem prolongada, pode afetar a safra de trigo.
Carneiro, da CNA, compartilha da preocupação. Ele explica que o produto é usado como substituto parcial do milho na ração animal, principalmente para bovinos, e o tamanho da colheita pode definir o comportamento do preço das carnes nos próximos meses. "Nosso medo é haver geada em agosto e atingir as plantações de trigo, principalmente no Paraná. Hoje, há uma perspectiva de crescimento de área, mas pode haver perda de produtividade", afirmou.
<b>Inflação</b>
Os problemas na oferta de commodities (matérias-primas com cotação internacional) agrícolas, como milho, soja, café e leite, puxaram a aceleração da inflação medida pelo IGP-DI em julho, quando registrou alta de 1,45%. De acordo com o pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) André Braz, os impactos da seca já estavam no radar, mas as frustrações causadas pelas geadas ainda terão efeitos nos preços. "Isso pode frustrar a expectativa de desaceleração da inflação no segundo semestre", afirmou.
Além de pressionar os preços finais das carnes, o aumento no custo do milho tem efeito sobre o ovo e o leite, que, mais caro, também tende a encarecer laticínios em geral. Além disso, as ondas de frio afetam a produção de alimentos in natura, como hortaliças e legumes, integrantes da cesta básica da maioria das famílias.
Para o diretor da consultoria MB Agro, José Carlos Hausknecht , a frustração de novos recordes na produção agrícola em 2021 confirma ainda uma expectativa de estabilidade no PIB da agropecuária no fechamento do ano. No primeiro trimestre, o PIB da agropecuária avançou 5,7% ante os três últimos meses de 2020, em desempenho impulsionado pela safra recorde de soja. Com isso, no início do ano, as expectativas apontavam para um avanço de 2% a 3% no PIB da agropecuária, alta que foi minada pelos efeitos do clima sobre a produção.
Ainda assim, ele acrescenta que o quadro ainda é favorável para o produtor. Com as cotações das commodities elevadas e o dólar alto, os produtores agrícolas nacionais ainda têm um impacto positivo em sua renda. Isso sinaliza para renovação de investimentos para a próxima safra.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>