O diretor alemão Frank Castorf nunca fugiu das polarizações – que não foram poucas em quase 40 anos de carreira. Porém, tanto seus admiradores quanto os detratores hão de concordar: o último sábado, 1.º, marcou o fim de uma era. Com a última sessão de Solness, o Construtor, de Henrik Ibsen, Castorf deixou o cargo de diretor do teatro Volksbühne, em Berlim, após 25 anos em atividade.
A saída do diretor, decisão unilateral da Secretaria de Cultura, foi anunciada em 2015 e desde essa época se transformou em um dos maiores debates recentes na capital alemã. A direção do Volksbühne, fundado em 1890 e um dos mais importantes teatros do planeta, passa para o curador belga Chris Dercon, que dirigiu até 2016 a Tate Modern, em Londres.
Foi em meio a uma mistura estranha de tristeza e ferozes aplausos que a trupe do Volksbühne encerrou sua última apresentação na casa, acompanhada pela reportagem do jornal “O Estado de S. Paulo”. As palmas ecoaram por mais de 40 minutos, enquanto o palco era tomado por atuais e antigos atores, diretores, figurinistas, técnicos, todo o exército de profissionais do teatro. Muita gente chorando, tanto no palco como na plateia.
Do lado de fora, centenas de pessoas resistiram a uma chuva intensa para dar adeus a Castorf e grupo – muitos dos atores e demais profissionais deixam a casa. O evento, que tomou a Rosa-Luxemburg-Platz, foi anunciado como uma festa de despedida, mas uma melancolia desesperançada dominava o ambiente. Era, afinal, a concretização de um processo de mudança que vem sendo avaliado como algo entre o controverso e o desastroso.
Castorf, que vinha silenciando sobre o tema, fez um discurso curto e apaixonado ao público presente na praça em frente ao teatro. Ele reafirmou os princípios que nortearam o Volksbühne, defendeu a importância do teatro como conflito e questionamento e agradeceu aos companheiros pelo trabalho neste quarto de século juntos. “É claro que há uma grande frustração”, disse, em referência à saída forçada. “Ganham-se batalhas e perdem-se guerras, e isso faz parte.”
O anúncio da não renovação do contrato de Castorf em abril de 2015 caiu como uma bomba, não só pela surpreendente demissão do diretor, à revelia da classe artística e do público, como também pelo anúncio do sucessor. Chris Dercon tem uma biografia ligada a grandes galerias e espaços expositivos, como a Tate Modern em Londres, a Haus der Kunst em Munique e o museu Boijmans van Beuningen em Roterdã; longe de ser um artista ligado ao teatro.
A insólita escolha gerou instantaneamente diversas reações, não só no meio das artes cênicas. Em 2016, uma carta aberta publicada por cerca de 200 profissionais do teatro expressou grande preocupação acerca do futuro do Volksbühne.
“Essa troca de comando não é uma transição amigável. É uma ruptura irreversível e um rompimento na história recente do teatro”, afirma o texto. “Essa troca representa nivelamento cultural e destruição de identidade. O tratamento artístico de conflitos sociais é empurrado para fora em favor de uma cultura globalizada de consenso com padrões uniformes de representação e vendas.”
O anúncio da programação da próxima temporada, recheada de atrações internacionais convidadas e apostando em multidisciplinaridade, deu forma a alguns dos piores temores. Entre as mudanças está o fim de dois pilares históricos do Volksbühne: o corpo permanente de artistas e a política de repertório, com espetáculos em cartaz por longos períodos. Sai a tradição de questionamento político, entra o mercado global da arte.
Aos 65 anos, Castorf é um dos diretores mais influentes das últimas décadas. Com mais de 100 produções na carreira, seu nome está mais intimamente ligado ao Volksbühne e ao teatro pós-dramático. Castorf teve passagens pelo Brasil, tanto com o grupo alemão (um inesquecível Estação Terminal América, em 2005) como com atores brasileiros, caso de Anjo Negro de Nelson Rodrigues com a Lembrança de uma Revolução: A Missão de Heiner Muller, em 2006.
Se o futuro ainda é incerto, ao menos um espetáculo de Castorf já está programado em Berlim: em dezembro estreia Os Miseráveis, de Victor Hugo, no histórico Berliner Ensemble, fundado por Bertolt Brecht. Um pequeno consolo para uma cidade entristecida com uma separação forçada.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.