Pedrinho pede um lápis cor de pele emprestado para Coraline e um ponto de interrogação enorme começa a rodopiar na cabeça da garota. “O que ele queria dizer com isso?”, questiona – e se põe a pensar. Essa é a cena que abre o livro A Cor de Coraline (Rocco) – uma cena que se repete diariamente nas salas de aula e que chamou a atenção de Gabriela, então estudante de Pedagogia e voluntária num abrigo para crianças carentes.
Ela fazia uma atividade sobre identidade quando um garoto, negro, disse que não estava encontrando o lápis cor de pele para se desenhar. Ele procurava o rosa e quando ela perguntou de que pele ele falava, o menino ficou com um ar de interrogação.
A experiência foi contada em casa e serviu de embrião para o pai de Gabriela, o escritor e ilustrador Alexandre Rampazo. Coraline e Pedrinho são personagens de seu livro escrito em 2013 e só lançado recentemente. Um atraso que em nada torna a história obsoleta, afinal, retrata um problema que nos acompanha há cinco séculos.
“Fomos os últimos a abolir a escravidão. É uma coisa arraigada, fica o vazio do não dito. O questionamento de Coraline não é um questionamento da subjetividade da pergunta de Pedrinho, mas tem a ver com a identidade dela”, diz o autor. “Se os dois estivessem em Marte, com todo mundo com o mesmo tom de pele”, ele continua, “tudo bem dar um lápis verde. Mas aqui, com tanta diversidade, a pergunta nem cabe”.
Rampazo acredita que a geração mais nova tem um pouco mais de sorte que as anteriores porque questões como essa estão sendo discutidas e expostas. “Talvez a gente chegue no momento em que consiga enxergar o outro com naturalidade e em que esse questionamento não seja tabu ou surpreendente.” Pedrinho, congelado a cada página enquanto a amiga passeia pelas cores (o verde de Marte, o vermelho do país dos envergonhados, o lilás do mundo fofinho, o rosa de Pedrinho), aceita com naturalidade o lápis marrom estendido por Coraline.
Prestes a completar 10 anos de carreira e com 7 livros autorais e outros 50 que ilustrou na bagagem, o paulistano Alexandre Rampazo é um dos convidados do 19.º Salão do Livro Infantil e Juvenil, que começa nesta quarta-feira, 21, para professores e na quinta, 22, para estudantes e demais interessados.
Tradicional projeto da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), ele teve de ser reestruturado este ano de patrocínio nulo para poder sair do papel: ocupará um quinto do espaço, será quatro dias mais curto (termina dia 28) e não pagará cachê aos ilustradores. Convidados internacionais, que participavam sobretudo dos seminários paralelos, dedicados a pensar a questão da leitura, e como parte das homenagens anuais a países. Participam 37 editoras.
Mas um bom time de escritores e ilustradores brasileiros estará no Salão Nobre do Centro de Convenções SulAmérica, no Rio, conversando com professores e pequenos leitores sobre suas obras. A maioria dos convidados foi premiada pela FNLIJ como autores dos melhores livros publicados no Brasil em 2016 em categorias variadas.
Marina Colasanti e Ana Maria Machado, por exemplo, são presenças garantidas, como nos anos anteriores. Rosinha, Rui de Oliveira, Marilda Castanho e Roger Mello também estarão por lá.
Haverá uma série de encontros paralelos, sobre crítica, formação de leitor, literatura indígena e outros temas. Leituras, performances de ilustradores e conversas com leitores também estão previstas
19º SALÃO FNLIJ
Centro de Convenções SulAmérica. Av. Paulo de Frontin, 1. Rio. 2ª a 6ª, 8h30 às 17h.
Sáb. e dom., 10h às 18h.
R$ 12. Até 28/6
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.