Estadão

Salão de Design de Milão aponta para um futuro menos cinzento

Projetar o futuro, celebrando a sustentabilidade. Eis a fórmula eleita para assinalar os 60 anos do Salão do Móvel de Milão, epicentro da mais influente semana internacional de design, encerrado no domingo, 12, depois de dois anos de espera ocasionada pela pandemia. Um período de reflexão, que permitiu redescobrir a importância – e o prazer – de estar em casa, de partilhar e, sobretudo, de atuar, em qualquer escala, pela preservação dos recursos naturais – fatores que, obviamente, não passaram despercebidos aos olhos de designers e fabricantes do mundo inteiro.

Para a atual presidente do Salão, Maria Porro, foi o tempo necessário para que a comunidade internacional pudesse desfrutar do evento em clima de total segurança – ou, pelo menos, de parte dela. Ausências das mais sentidas pelos empresários italianos, Rússia e China ficaram fora da festa. Mas, ainda assim, em uma área expositiva de 200 mil m², mais de dois mil expositores, 25% deles estrangeiros, compareceram à mostra oficial, em Rho-Pero, que este ano foi turbinada pela bienal Eurocucina.

Segundo Maria Porro, a mais jovem presidente da história da instituição e a primeira mulher a ocupar o cargo, o supersalone – feira compacta, realizada em setembro último – serviu para aquecer os motores. Provou que grandes eventos internacionais podem, sim, ser realizados de forma circular e sustentável. Mas, agora, the show must go on (o show tem de continuar). "De 1961 até hoje, o Salão do Móvel ultrapassou a dimensão de uma feira comercial. Estamos falando de um momento em que todo o setor tem a percepção clara de para onde estamos indo. Tudo em pouco tempo. E em uma única cidade", afirmou.

E, se como acredita a presidente, é urgente que todo o setor pense em soluções mais sustentáveis para o nosso inquietante futuro, o Salão resolveu dar a largada. Projetada pelo arquiteto italiano Mario Cucinella, a mostra Design com a Natureza, montada em um dos pavilhões da feira, propôs uma abordagem ousada sobre o futuro das nossas grandes metrópoles: por que, no lugar de centros de produção de resíduos, não podemos pensar nelas como grandes fontes geradoras de materiais reciclados? A partir do plástico e do papel. Mas também do vidro e das plantas.

<b>PELAS RUAS</b>

Quem já teve a oportunidade de participar de ao menos uma edição do Salão do Móvel sabe que ele oferece bem mais do que a oportunidade de ter acesso aos principais lançamentos internacionais de móveis e objetos. Os pavilhões de Rho-Pero, onde ocorre a mostra oficial, ainda merecem uma visita prolongada. Mas é impensável não percorrer o centro da cidade – e mesmo os seus arredores – durante os dias de festival. Por toda a cidade, lançamentos e conferências, exposições e festas se transformam em programas obrigatórios para quem pretende conferir os rumos da criação contemporânea.

Dentro do circuito Fuorisalone – expressão que designa os eventos que ocorrem fora da mostra oficial milanesa, nas mais diversas locações -, em se tratando de criatividade, em dias de Salão do Móvel, é possível encontrar um pouco de tudo. De estudantes exibindo seus trabalhos de graduação a cenários hi-tech, altamente elaborados e patrocinados por grandes corporações internacionais, sejam elas fabricantes de móveis, carros ou roupas. O cardápio de opções é extenso, mas, este ano, o tema da sustentabilidade, em todas as suas manifestações, ocupou o centro dos debates.

Por exemplo, na mais nova dessas áreas expositivas, a Alcova, que após uma bem-sucedida edição inaugural, em setembro último, retorna ao Centro Ospedaliero Militare di Baggio – um hospital desativado, implantado em meio a uma extensa área verde, onde os curadores do projeto, Valentina Ciuffi e Joseph Grima, levaram a cabo uma radical experiência de fusão entre design e natureza, como parte de suas pesquisas por lugares esquecidos e de significado histórico, dentro e ao redor de Milão.

Este ano, o projeto apresentou ao público um recorte abrangente do design independente europeu, mesclando trabalhos de nomes consagrados com uma seleção de talentos emergentes, que operam nas mais variadas áreas. Da tecnologia, passando pelos materiais, pela produção sustentável e prática social, entre outras. Explorando o frescor e a exuberância da vegetação local, a dupla expandiu as experiências gastronômicas e de convivência do programa, transformando a atração empermanente festa ao ar livre.

<b>EIXO CENTRAL</b>

Reconecte-se. Com você mesmo. Com as pessoas ao seu redor, com seus objetos, móveis e, sobretudo, com o seu planeta. E, sempre, da forma mais sustentável possível. Não soa exagerado dizer que o desejo de reconexão, após os últimos anos, parece funcionar como eixo central em torno do qual gravitou a maioria dos lançamentos apresentados durante a Semana de Design. Em muitas das coleções é possível detectar a clara preocupação dos designers em enfatizar a conexão do design com a qualidade de vida. E, consequentemente, entre o uso consciente das matérias-primas e a preservação dos recursos naturais.

Espelho das transformações em curso e de uma abordagem mais responsável do design, móveis parecem hoje ser pensados não apenas para responder a funções específicas, mas considerando, sobretudo, sua interação com as pessoas. Em meio a formas descontraídas, estofados mais flexíveis e cores vibrantes, o império dos tons neutros parece, ao menos por ora, superado. Mais do que oportunamente, o objeto sai do propósito teórico que lhe foi atribuído para, apenas e simplesmente, enriquecer a vida cotidiana.

Por último, e não menos importante, há um clima de evidente nostalgia no ar. E isso não se deve, exclusivamente, à memória dos 60 anos do Salão do Móvel ou à lembrança de tempos melhores. Na memória dos designers parece subsistir, em paralelo, um sentimento de bem-vinda rebeldia, presente, por exemplo, no desejo de glorificar móveis que, de alguma forma, representaram, ao longo da história, o anseio de desafiar os códigos existentes. De estimular a liberdade de escolha, sem, no entanto, impor um estilo de vida.

Como acontece, por exemplo, com a poltrona Bambola, (boneca, em italiano), de Mario Bellini, lançada pela B&B Italia, em 1972. Móvel que este ano ganhou, emblematicamente, uma versão mais sustentável, além de nova roupagem e cores. Além, é claro, de recorrentes menções à sua célebre campanha publicitária, que fez história na comunicação. Tudo por conta de um ensaio de Oliviero Toscani, que fotografou Donna Jordan, modelo conhecida por seu trabalho na legendária Factory, de Andy Warhol, interagindo com a poltrona. Deitada, recostada, ou simplesmente desfrutando de seu íntimo convívio.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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