Um quadrilátero verde alvo de tantos conflitos ao longo de décadas ganhou atributo distinto nos últimos meses: o de sítio arqueológico. Com abertura adiada para dezembro, o Parque Augusta se tornou espaço de uma centena de escavações em busca de indícios de testemunhos de uma São Paulo dos séculos passados e até pré-colonial.
As prospecções arqueológicas começaram há pouco mais de três semanas e devem seguir por parte de agosto, a depender de descobertas e avaliação dos resultados. Entre os achados registrados estão seis fragmentos de louça dos séculos 19 e 20, caminhos centenários, estruturas hidráulicas de cerâmica e a base do muro, parcialmente em formato de arco. Nada por enquanto remete à ocupação indígena da região, suspeita que levou o Iphan a paralisar as obras do parque em janeiro.
Como não era previsto no acordo entre a Prefeitura de São Paulo e os antigos donos, o estudo é realizado por técnicos da Secretaria Municipal de Cultura e 16 beneficiários do Programa Operação Trabalho (POT), de reinserção social.
Os poços de teste são feitos a cada 10 metros do terreno, cuja profundidade varia entre 1 e 3 metros, dos quais ao menos quatro seguem preservados por conterem artefatos do século passado. "Aproveitamos também sondagens que a obra está fazendo, que foram a até 6 metros", explica Paula Nishida, supervisora do Centro de Arqueologia de São Paulo.
O principal foco é o muro, cuja preservação parcial está temporariamente determinada após a abertura de um pedido de tombamento. Uma das suspeitas era de que o formato semelhante a arcadas tivesse relação com os cursos dágua, hipótese que não é confirmada pelos indícios encontrados até agora. "Fizemos três trincheiras rentes ao muro, para ver a profundidade. Uma mostrou que os arcos não continuam descendo, param em um momento. Nas outras, também não descem muito", explica Paula. "Foram construídas como um arrimo para a Rua Augusta, a gente consegue ver, debaixo do arco, o fundo do calçamento."
"O que tem chamado a atenção é que estão aparecendo poucos artefatos", aponta Paula. "A escavação está evidenciando mais estruturas, caminhos, fundações antigas. É um terreno muito construído, mexido. Isso muda a escala das coisas."
Enquanto artefatos menores podem ser retirados, limpos e armazenados em laboratório, estruturas construtivas são mantidas no local até avaliação do Iphan junto aos responsáveis pelo parque. Antes das escavações, a equipe que faz o restauro de construções da área já havia encontrado uma trilha centenária no bosque.
<b>Interesse</b>
Entre os integrantes da equipe, Paula diz que César Augusto Palhares é um dos mais empolgados. "Ele super se empolgou, está lendo sobre arqueologia", comenta.
Aos 37 anos, ele costuma ouvir as explicações de Paula como um estudante atento e considera a atividade um misto de trabalho com sala de aula. "Foi um engenheiro esses dias, colei nele para fazer um monte de pergunta. Nós temos um geólogo que é meio quietão, mas estou sempre fazendo pergunta para ele também", diz César.
Quando não está no parque, pesquisa sobre a trajetória do local, do Iphan, do patrimônio histórico, cultural e ambiental paulista pelo celular. "Mudou muito meu jeito de ver a cidade, as pessoas. A cidade vai crescendo muito e, às vezes, as histórias ficam enterradas", comenta. "Está mudando as conversas entre nós. Antes a gente falava uns assuntos sem pé nem cabeça, agora elevou o nível."
Ex-dependente químico, César vive em um espaço de acolhida perto da Cracolândia. "Moro nos Campos Elísios. Comecei a estudar sobre o bairro, quem era Glete e Nothmann (nomes de vias da região). Comecei a olhar diferente para a Sala São Paulo, que é um lugar lindo. Comecei a ouvir música clássica para conhecer, e gostei."
Ele deve prestar o próximo Enem e se prepara por meio de um curso pré-vestibular popular, mas ainda não decidiu se faz Ciências Sociais, Psicologia ou outro curso. "Hoje, ando pela cidade e começo a ver as construções. Se vejo uma estátua, paro para ler o rodapé para saber quem é."
<b>Restauro</b>
As obras também incluem o restauro da "casinha" próxima do bosque, que poderá virar uma cafeteria ou um ponto de educação ambiental, e do portal na Rua Caio Prado, ambos datados do início do século 20, tombados na esfera municipal e remanescentes do antigo Colégio Des Oiseaux, demolido na década de 1970.
A restauração é da Kruchin Arquitetura, que recuperou, por exemplo, o telhado da casinha, atingido pela queda de árvores. Um mural com a pintura de um tatu feito na lateral da construção deverá ser mantido. A pintura mantém as cores originais, em tons pastéis.
Segundo Tamires Carla de Oliveira, coordenadora da Gestão de Parques e Biodiversidade Municipal, essa etapa está "bastante avançada" e em fase de acabamento, como de pintura e colocação de caixilhos.
<b>Outros</b>
Após o encerramento da arqueologia e aval do Iphan, a prioridade será iniciar a construção da sede da administração do parque, que incluirá também sanitários públicos. Junto a ela, estarão um deque e uma arquibancada de madeira. "O restante é obra simples", ressalta Tamires, ao citar os caminhos e a instalação de equipamentos de ginástica e mobiliário. O bosque, tombado, será preservado.
A obra do boulevard que ligará o parque à Praça Roosevelt ficará para uma etapa posterior, mas é considerada um projeto de execução mais simples, focado em calçamento e paisagismo, segundo Tamires. O projeto completo tem custo estimado de R$ 6,2 milhões, bancado pelas construtoras que detinham o terreno. As empresas também deverão custear dois anos de manutenção do espaço.
A gestão Bruno Covas também prometeu entregar outros nove parque até o fim deste ano. Por enquanto, foram inaugurados o Ribeirão Colônia, no extremo sul, e o Nair Bello, em Itaquera, zona leste. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>