Se for levada em conta a visão do coreógrafo americano William Forsythe sobre o elenco da São Paulo Companhia de Dança (SPCD), então os bailarinos estão felizes com o novo programa. “Quando assisti ao vídeo de In the Middle…, logo vi que eles eram bailarinos de contemporâneo”, diz, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo. Ele se refere a In the Middle, Somewhat Elevated, obra de sua autoria executada pela SPCD em 2012. “E como bailarinos de contemporâneo, eles querem fazer algo que expanda seus conhecimentos.” Os dançarinos sobem, a partir desta quinta-feira, 21, ao palco do Teatro Alfa para apresentar um programa com três coreografias que marcam épocas distintas da história recente da dança.
De forma cronológica, o programa parte de 1911, com a estreia de Le Spectre de la Rose – clássico moderno do russo Michel Fokine (1880-1942) que ganha remontagem do argentino Mario Galizzi. Com base no poema homônimo de Théophile Gauthier (1811-1872), a obra narra a história de uma jovem que, em um baile, recebe uma rosa de um pretendente. Ao voltar para casa, ela adormece com o aroma da flor e sonha que o espectro da rosa entra pela janela de seu quarto para dançar com ela.
A coreografia põe em evidência o bailarino que interpreta o espectro: por cerca de oito minutos, Yoshi Suzuki emenda passos de visível complexidade técnica.
“Le Spectre… vem de uma época de muitos maneirismos”, diz Galizzi. “É preciso mudar algumas coisas. Não coreográficas, mas estilísticas, de ambiente. Senão o público jovem acha que é clichê, coisa velha.” Mantendo a essência da obra, o coreógrafo deixou-a mais limpa. O cenário é simples e, nas palavras do argentino, menos kitsch (tem apenas uma janela e uma cadeira) e os figurinos não têm a rosa em si, mas lembram a flor de maneira estilizada.
Os passos também sofreram alterações. Antes rebuscados, ficaram mais moderados. As mãos e os braços dão menos voltas. Já os movimentos de perna, por serem a base da coreografia, ficam como no original. Segundo Galizzi, a redução do figurino também serve para deixar os passos mais aparentes: com menos camadas de roupa, a visão fica mais clara.
Em seguida, o elenco dança Petite Mort, criada pelo tcheco Jirí Kylián em 1991. Já executada antes pela companhia, a obra foi selecionada por mesclar técnicas, conectando as outras duas coreografias. “Há movimentos de balé clássico, mas existem detalhes como os pés em en dedans, que é uma característica da dança contemporânea”, afirma a diretora artística Inês Bogéa. Ela explica que, historicamente, os bailarinos de clássico dançavam com os pés em posição aberta para que evitassem dar as costas para o rei. Com a evolução da dança, eles passaram a voltar os pés para dentro, na posição natural humana.
Petite Mort (em francês, “pequena morte”) aborda o momento curto, mas de intenso
prazer, em que paira a lembrança de que a morte espreita a vida a todo momento. A SPCD traduz esta ideia dando espadas aos bailarinos homens. “É como se elas fossem o prolongamento dos corpos. Fazem toda a energia do ar circular na cena”, diz Inês. Na trilha, a música de Mozart dialoga com outros objetos, estes usados pelo elenco feminino. São grandes vestidos pretos que lembram a época do compositor. Por trás deles, as bailarinas escondem parte de seus corpos, direcionando a visão do público para seus torsos e cabeças.
É de Forsythe o número que fecha a noite. Com a contemporânea Workwithinwork, de 1998, a companhia conclui o arco que mostra as transformações na dança. A sugestão, no entanto, veio do próprio coreógrafo. “Os brasileiros têm muito ritmo, têm nuance musical. Diferente dos russos, por exemplo: eles são muito habilidosos, mas musicalmente quadrados”, diz. Para ele, esta coreografia é tão musical que, além de executada, deve ser cantada pelo corpo.
De digestão mais complexa, Workwithinwork é metadança. O nome – que, em tradução livre, quer dizer “trabalho dentro do trabalho” – faz uma alusão ao pensamento dos coreógrafos em considerar cada obra como apenas um trecho de um longo processo de trabalho. Para esta representação, Forsythe cria um grande fluxo de movimentos: os bailarinos entram e saem de cena com frequência, sempre em áreas diferentes do palco, redirecionando o olhar do público a todo momento.
A coreografia casa bem com a ideia do programa porque, apesar de contemporânea, tem lá seus toques clássicos. Isto fica evidente em um item que pode dar nó na cabeça dos espectadores: as bailarinas usam pontas. “Forsythe usa as pontas apenas como uma prótese, mas a coreografia exige o domínio da técnica clássica para ser executada”, explica Inês.
O coreógrafo chama a atenção para os detalhes da obra. “Tem coisas pequenas, é muito íntimo. Low key”, diz, em referência à técnica fotográfica de escurecer a imagem, reservando a luz para apenas algumas partes. Ele usa a definição de um crítico inglês que escreveu que a obra tem “movimentos de haikai”.
Acessibilidade
Após incluir a audiodescrição ao vivo em seus espetáculos no ano passado, a SPCD dá mais um passo em relação à acessibilidade. Quem assistir à companhia no Teatro Alfa poderá interagir com o espetáculo em outras linguagens usando o aplicativo WhatsCine. Pelo programa é possível optar entre audiodescrição, interpretação em Libras e legendas. “É muito instigante entender como a dança pode tocar as pessoas de diferentes maneiras”, pondera Inês, incentivando até mesmo os espectadores que não têm deficiências a passar pela experiência.
A companhia fez a estreia com o aplicativo em uma apresentação no interior do Estado, em abril. O trabalho é uma parceria com a ONG Mais Diferenças, especialista em audiodescrições. Para as apresentações no Alfa, 15 tablets estarão disponíveis ao público. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.